A melhor série de 2025 na Netflix Divulgação / Netflix

A melhor série de 2025 na Netflix


Algumas séries nascem para confortar; outras, para cutucar feridas que o público prefere não tocar. “Black Rabbit” pertence ao segundo tipo. É uma narrativa que se infiltra no desconforto com a naturalidade de quem entende que o caos moral pode ser mais fascinante que qualquer catarse redentora. À primeira vista, tudo parece um drama criminal convencional, dois irmãos tentando salvar um restaurante falido, mas logo se revela algo mais corrosivo: um mergulho na estupidez obstinada, na esperança idiota e nas pequenas tragédias que brotam daquilo que chamamos de amor. Não o amor nobre, mas o que se arrasta entre culpa, rancor e necessidade de redenção.

Cada episódio funciona como um aperto lento no torno, uma pressão contínua sobre personagens incapazes de admitir o próprio fracasso. Os irmãos, interpretados com intensidade quase claustrofóbica por Jason Bateman e Jude Law, vivem sob a ilusão de que a fidelidade mútua pode consertar o que a realidade já decretou como irrecuperável. Essa crença destrutiva transforma cada tentativa de salvação em mais uma queda. A série se nutre dessa contradição: o instinto de sobrevivência que, ao invés de libertar, condena.

Há um senso de ironia cruel permeando tudo. Quando a narrativa tenta impor um respiro moral, é como se o roteiro se lembrasse, tarde demais, de que a estupidez humana raramente se cura. O impulso de punir o mal e premiar o bem, típico de um moralismo anacrônico, aparece aqui como ruído dissonante, um vestígio incômodo de um mundo que ainda insiste em finais edificantes. Mas “Black Rabbit”  funciona melhor quando renuncia a essa tentação: quando se permite ser amarga, cinzenta e honesta sobre a banalidade do erro. O espectador percebe, com desconforto crescente, que não há “bons” nem “maus”, apenas pessoas arruinadas por escolhas que pareciam sensatas no momento.

A mise-en-scène é quase um personagem à parte: a luz suja da cozinha, os becos molhados, os rostos exaustos. Cada enquadramento reforça o confinamento emocional, e o silêncio se torna uma forma de diálogo mais eloquente que qualquer confissão. O uso do tempo, arrastado, meticuloso, traduz o peso da culpa como algo que não se resolve, apenas se repete. Há uma lentidão deliberada, quase cruel, que não busca suspense no sentido tradicional, mas uma sensação de inevitabilidade: como se estivéssemos assistindo não a um enredo, mas a uma sentença sendo cumprida.

“Black Rabbit” aposta na densidade, na contradição, e em uma humanidade que não cabe em maniqueísmos. O que resta a sensação de que o verdadeiro tema da série não é o crime, nem a família, mas a teimosia patética de continuar acreditando, contra todas as evidências, que ainda há como consertar o que já se partiu. Não é uma história para quem busca conforto, mas para quem entende que o abismo também pode ser um espelho.