De vez em quando corro atrás de rever filmes antigos, que assisti no século passado, principalmente comédias como as do Monty Python ou filmes do Mel Brooks, Woody Allen, irmãos Zucker, do tempo em que se fazia boas comédias. Mas, outro dia, alguém numa rede social citou “O Rei da Comédia”, filme do Scorsese de 1983, que eu não havia assistido na época, e resolvi encarar. Não, não é uma comédia; eu sabia disso, apesar de ter a palavra “comédia” no título e ter Jerry Lewis no elenco.
Gostei muito do filme por vários motivos. O primeiro impacto que o filme me causou foi pelo visual anos 80, que me trouxe boas lembranças e me levou de volta à juventude, principalmente pelos objetos que hoje não conseguimos entender por que achávamos bonitos e incríveis — aqueles móveis de acrílico inacreditáveis.
Robert De Niro é o protagonista de “O Rei da Comédia”: ele é um humorista que quer mostrar o seu trabalho de qualquer maneira, usando vários estratagemas, principalmente tentar se aproximar de um grande comediante da época, apresentador de um programa de muito sucesso, o que ele faz usando um método completamente fora do usual, para não dizer criminoso. De Niro é um ator foda; faz bem demais esse humorista de stand-up, que acaba sequestrando o apresentador e conseguindo fazer o seu número de stand-up em cadeia nacional. Acaba sendo preso, e essa história o leva à fama, muito mais do que a qualidade de seu número de stand-up, mostrando que a questão da fama a qualquer preço é antiga, mesmo quando ainda não havia redes sociais.
Tudo bem, mandei um tremendo spoiler, mas duvido que alguém esteja pensando em ver esse filme.
Mas o que me levou a assistir a “O Rei da Comédia” não foi o Scorsese, nem o Robert De Niro, apesar de ser muito fã dos dois. Quem me chamou a atenção e me fez procurar o filme foi o Jerry Lewis, meu ídolo da infância. O nome do personagem de Jerry Lewis no filme é Jerry Langford, um apresentador de um programa de entrevista que é um ídolo da comédia, mas uma pessoa insuportável, um cara metido que trata mal as pessoas e se acha acima de todos. Jerry Lewis foi um dos meus maiores ídolos de criança; adorava ver os seus filmes na Sessão da Tarde ou mesmo no cinema. Foram filmes que posso dizer que me fizeram tomar gosto pela comédia; considero até que tenham sido fundamentais para que eu pensasse em um dia trabalhar com humor.
No filme “O Rei da Comédia”, Jerry Lewis faz um papel sério — muito bem, por sinal —, consegue passar muita credibilidade como um comediante de muito sucesso, o tal rei da comédia que, no entanto, é uma pessoa intratável quando fora de cena. Talvez Jerry Lewis tenha conseguido fazer tão bem esse personagem porque faz o papel de si mesmo; ele tinha fama de ser uma pessoa antipática e difícil. Certamente Scorsese o chamou por conta disso e, incrivelmente, Jerry Lewis topou fazer o papel, cujo cuidado foi apenas mudar o sobrenome, de Lewis para Langford. No entanto, durante todo o filme ele é chamado apenas de Jerry.
Então vem a clássica pergunta: como é que um comediante pode ser mal-humorado? Como uma pessoa que faz o público rir pode ser uma pessoa antipática? Um cara engraçado pode ser irascível? A resposta para todas essas perguntas é: “sim, pode!”. E não só pode, como isso é bastante comum. Um humorista pode ser não apenas antipático, como tímido, chato e várias outras características que não associamos a um comediante.
Gostei bastante do filme “O Rei da Comédia” por levantar várias questões interessantes em relação à comédia e à fama, mostrando que certos atributos humanos não dependem da tecnologia nem das redes sociais para permanecerem valendo nos dias de hoje. Além disso, o filme ainda traz o meu ídolo de infância fazendo um papel sério, o que me levou a outro questionamento: ainda bem que só descobri depois de adulto a fama de pessoa irascível de Jerry Lewis. Se soubesse disso quando criança, talvez eu ficasse traumatizado e até desistisse de trabalhar com humor!