Filmes protagonizados por animais sempre hão de receber do público a imediata atenção que histórias sobre homens comuns e mulheres corajosas levam bons minutos para conquistar — exceção reservada às tramas sobre crianças-prodígio ou as que enfrentam doenças inexplicáveis, de que muitas vezes acabam não escapando. Desde “Lassie, a Força do Coração” (1943), de Fred McLeod Wilcox (1907-1964), o cinema tira todo o proveito que consegue dos enredos sobre as delicadas questões que massacram os seres humanos encaradas sob a ótica dos cães, e “Caramelo” vai por aí. O novo longa do paulista Diego Freitas revela-se uma bela sacada ao explorar lados óbvios (e nem tanto) de uma das mais unânimes paixões do brasileiro. O personagem-título, um vira-lata de três anos, transforma a realidade de Pedro Dantas, um aspirante a chef de cozinha até então não muito chegado a interações com outras espécies, e juntos eles descobrem o prazer de uma amizade franca que não demora a transformar-se em amor verdadeiro.
“Caramelo” abre com o registro de um crime. Alguém abandona um cachorrinho às margens de uma rodovia a 23 quilômetros de São Paulo, o animal volta para a cidade, chega faminto, cruza uma rua movimentada, rouba uma corda de linguiça, mas seu esforço é em vão. O bicho continua sua saga à procura de alimento e, talvez, um novo lar, e acaba parado à soleira da porta dos fundos do restaurante sofisticado onde Pedro trabalha. Caramelo dá um jeito de entrar, e nesse momento a relação dos dois está prestes a tomar forma, ainda que eles não saibam. O cachorro invade a cozinha, espalha o caos, atira-se sobre o prato que seria servido a Laura, com Paula Carosella num papel autorreferente, e Pedro é forçado a improvisar. Freitas e os corroteiristas Rod Azevedo e Carolina Castro centram a história no restaurante, apresentando o bom elenco secundário, todos de alguma maneira satélites de Caramelo e seu contraponto homo sapiens. Rafael Vitti destaca a face solar de Pedro para, na sequência, o filme evoluir em sua porção quase trágica, também caudalosa.
Pedro conseguira tornar-se o número um da equipe graças à coxinha de carne de sol que havia servido a Laura, mas precisa conter o entusiasmo ao descobrir um glioma cerebral que não cede à quimioterapia. Em meio a seu calvário, conhece Camila, a dona de uma creche para animais de estimação, e o diretor equilibra bem os lances de riso e choro, levando uma trama dessa natureza a cumprir o que se espera dela. A atuação de Vitti segura o tom agridoce que Freitas prioriza, mas é Arianne Botelho quem oferece ao espectador o grande prazer dessa produção nacional e assumidamente despretensiosa. Além, claro, de Caramelo — ou melhor, Amendoim, o mais novo astro do nosso cinema.
★★★★★★★★★★