O dinheiro é uma força tão poderosa que é capaz de transformar o destino de alguém. Muitas vezes é só por intermédio dele que abrem-se as portas da fartura da boa mesa, das viagens sem dia para acabar, das roupas de grife, da sofisticação, mimos a que o corpo acostuma-se depressa e aos quais é difícil renunciar. A riqueza material é a um só tempo sedutora e horrenda, urdindo o estranho paradoxo sobre se estar sentado num baú de ouro e sentir-se o mais desgraçado de todos os seres humanos, porque sempre há de existir uma pessoa mais abastada, e sempre há de faltar um luxo por satisfazer. Rachel Chu, a protagonista de “Podres de Ricos”, nunca tinha se aprofundado nas enlouquecedoras reflexões acerca do vil metal, porém é forçada a entender desse universo depois que passa a saber que namora um ricaço. Baseado em “Asiáticos Podres de Ricos” (2013), o best-seller de Kevin Kwan, o roteiro de Peter Chiarelli e Adele Lim é um conto de fadas pós-moderno, com muito do encantamento de uma Hollywood pretérita. John M. Chu imprime essa aura de glamour mediante o amálgama de cores e brilho em exagero proposital, feito se os multimilionários do título compusessem uma espécie rara e até meio sanguinolenta, que não tolera intrusos. Não será assim mesmo?
Na cena de abertura, Rachel aparece num pub de Manhattan junto com Nicholas Young, seu namorado há um ano, quando ele a convida para viajar a Singapura. Ele foi chamado para ser padrinho de casamento de um amigo de infância, não abre mão de estar presente a todas as etapas dos preparativos para a cerimônia e quer que sua garota o acompanhe. Rachel, uma sino-americana que nunca foi à Ásia, encanta-se com a ideia; ela sabia que Nick era filho de singapurenses, mas não tem a mais pálida ideia sobre o restante, incluindo o fato de ele ser o herdeiro direto de uma das maiores imobiliárias da cidade-Estado. Chiarelli e Lim vão costurando passagens de teor romântico a lances de humor desafetado, como na sequência em que o casal está entrando na primeiríssima classe do voo e Rachel pergunta se ele pode pagar. Aos poucos, ela se convence de que encarnou mesmo a Cinderela e relaxa. Seu martírio não demora, contudo.
Rachel só queria vivenciar momentos de prazer e descobertas com Nick, não tornar-se a nova megera oficial da história do rapaz, como ela deixa escapar num desabafo a certa altura do segundo ato, depois de ter batido de frente com a tradicional família cristã do empresário. Para efeitos didáticos, “Podres de Ricos” gira em torno da inadequação de uma mulher cosmopolita no seio de uma dinastia cheia assentada sobre uma montanha de dinheiro e protocolos, mas o filme é muito mais que isso. Constance Wu empresta à mocinha a leveza ingênua na qual Rachel se ancora e que a faz supor ser suficiente amar Nick para quebrar o gelo. Henry Golding oscila entre o palerma meio letárgico — aliás, como todas as composições masculinas — diante da mãe dominadora e inclinada a comentários travestidos de franqueza, mas que apenas destilam veneno. Hipócrita inveterada, Eleanor, que reúne outras senhoras para ler a Bíblia ao passo que levanta um dossiê preconceituoso contra Rachel (que para ela seria só mais uma conquista do filho), é a típica vilã das parábolas e alegorias da Idade Média, mas Michelle Yeoh revela os ângulos estimulantes da personagem.
Habilidosa, Yeoh sublinha a frieza elegante de Eleanor, e a partir de então, muito do interesse pelo filme deve-se ao pugilato com luva de pelica entre a mãe e a namorada de Nick, tomado de modo a evitar maniqueísmos e outras facilidades. Awkwafina traz os respiros cômicos com a técnica e a graça de sempre; sua Peik Lin, cuja família nova-rica ostenta um palacete em estilo rococó “inspirado no banheiro de Donald Trump”, não permite que Rachel seja vista como uma banana — amarela por fora, branca por dentro —, e açula a melhor amiga a mostrar as garras. Por um instante, pensa-se que “Podres de Ricos” vai derivar para um “O Tigre e o Dragão” manicurado; felizmente, John M. Chu quer mesmo é fazer-nos celebrar o mais humano dos sentimentos. De ilusão também se vive.
★★★★★★★★★★