Estreia desta sexta-feira (03), na Netflix, “Steve”, dirigido por Tim Mielants, é um filme adaptado da novela de Max Porter, “Shy”, estrelado por Cillian Murphy. Shy é um adolescente internado em um reformatório comandado por Steve. Na versão para as telas, ele deixa de ser protagonista para se tornar personagem secundário, oferecendo o centro do palco para Steve (Murphy), um pai de família traumatizado por um acidente recente, que usa o álcool para tentar esquecer o sentimento de culpa e suportar o peso do difícil trabalho com jovens problemáticos.
Filmado em ordem cronológica para conduzir os atores a uma progressão emocional, o longa-metragem foi, em grande parte, improvisado e intuitivo, o que favoreceu a imersão do elenco. A mise-en-scène visceral usa câmeras na mão para um realismo dramático e nervoso e closes que capturam as expressões dos personagens, destacando seus sofrimentos, angústias e raivas.
O enredo explora a vulnerabilidade emocional tanto dos adolescentes quanto de Steve, um homem bem-intencionado e honesto, que tenta salvar o grupo de jovens vítimas de um sistema falho, com transtornos emocionais graves, lares desajustados, marginalizados e empobrecidos, que transformam a frustração de suas vidas difíceis em raiva e rebeldia, tornando-se figuras incontroláveis e caóticas. Steve está exaurido porque luta sozinho contra uma falha institucional, com corte de verbas, abandono político e a austeridade social.
Shy é renegado pela própria mãe, cansada dos acessos de fúria e descontrole do filho. Ao mesmo tempo, Shy representa uma reação ao abandono, agindo sempre com pessimismo, recusando-se a aceitar ajuda e questionando por que Steve se importa com ele. Afinal, até mesmo sua família desistiu dele.
O espaço físico da escola está desgastado, com paredes de tinta ressecada e descascando, aparência suja, objetos quebrados. Isso é um reflexo, sim, da falta de recursos financeiros do local, mas também espelha a falência institucional. É o sistema que está corroído, sujo, desgastado. Críticos relacionam as imagens recorrentes do arco rochoso, chamado Durdle Door, com a resistência forjada pela erosão, como uma mensagem de firmeza, mesmo diante das tribulações da vida.
Em uma cena final, Steve, à procura de Shy, que fugiu, cai em uma poça de lama, que representa muito bem seu estado de espírito. Um homem afundado em tristeza, culpa, sentimento de insuficiência e à beira de um colapso emocional. Murphy, com sua atuação primorosa, faz com que os espectadores sintam exatamente a amargura de seu personagem por meio de sua voz, suas expressões desesperadas, os olhos sempre vermelhos e úmidos, como se um choro de desamparo completo fosse sair, mas nunca sai.
“Steve” se passa em um período de 24 horas da vida do protagonista e nunca fica arrastado, porque há sempre uma situação caótica para ser resolvida com urgência. A sensação é sempre de pressa e agonia, como se Steve estivesse sempre no limite e algo de muito ruim estivesse prestes a acontecer. Tim Mielants é um cineasta experiente, mas às vezes minucioso demais ao ponto de comprometer o ritmo de seus filmes. Mas, desta vez, ele abre mão do completo controle e deixa o andamento nas mãos de Murphy e elenco e parece se sair muito melhor assim.
★★★★★★★★★★