Verve, terceiro disco de Lívia Mattos, é imenso e bonito como se fosse o mar

Verve, terceiro disco de Lívia Mattos, é imenso e bonito como se fosse o mar

Um dia, quando isso tudo acabar, você e eu sentaremos na praia e correremos os olhos pelo álbum de nossas loucuras. E, entre tantas fotos e tantos livros, ouvindo de longe, de novo, como sussurros do tempo os sons que hoje nos deixam surdos, mergulhados de corpo inteiro em testemunhos gentis e relatos encharcados de saudade deste nosso agora, aquela moça que toca sanfona como quem respira nos fará viver de novo. Feito hoje. Feito sempre.

É que, das coisas que me ajudam a viver nestes tempos de sombras, tal qual as fotografias que faço de meus filhos pequenos brincando, as conversas que tenho no fim da noite com meu menino mais velho, os livros que me acolhem e me salvam no naufrágio, existe uma sanfoneira que segura minha mão de noite e me ajuda a dormir respirando suas canções até de manhãzinha, quando acorda a passarinhada.

A música luminosa de Lívia Mattos me ampara, me recebe e me acolhe desde que a vi e ouvi pela primeira vez, lá pelos idos da primeira década deste século, tocando sanfona ao lado de Chico César. Ahhh… meu Deus! O mundo vai desse jeito e uma moça tocando sanfona bonito assim! A vida inda dá certo!

Depois ouvi o primeiro disco dela, “Vinha da Ida”, e achei magnífico o modo como ela tocou na história contada por John Steinbeck em “As Vinhas da Ira”. Sobre gente expulsa de sua terra pela miséria. Acerca de quem parte de seu lugar no mundo em busca de trabalho e de uma vida menos esquisita. A respeito de migrar e perseguir a beleza possível.

Ouvi depois o segundo disco de Lívia, “Apneia”, e até escrevi, comovido, sobre ele aqui nesta Bula. Escrevi como quem postava uma carta a essa artista, agradecendo pelo respiro. Porque é isso que a música de Lívia representa para mim: uma lufada infinita de ar puro sobre a minha vida.

Agora ouço seu terceiro álbum, “Verve”, o derradeiro dessa trilogia, e sinto comigo uma ternura tão grande pelo ofício de Lívia, por sua luta, por sua gente, que é como se toda a minha tristeza fosse embora na maré de um mar generoso. E em mim só restassem a gratidão e a alegria, abrigadas na música de sua sanfona de teclas douradas, na festa de uma tuba e uma bateria, ora seguidas de umas taças com água aqui, uma flauta ali, uma kora acolá. Viver é bonito que só! Igualzinho ao disco novo de Lívia Mattos.

Lívia Mattos

“Verve” tem tanta coisa boa escancarada, tanta beleza, tanta coragem! Tanta ancestralidade revelada e tantos recados para o futuro que só mesmo aos especialistas caberiam as análises mais profundas. Há muito o que dizer. Mas eu não sei. Eu fico sentado na areia, perto de onde a onda termina, espiando a imensidão dessa moça. As canções de ternura, de saudade, de amor à distância que há em seu disco me emocionam e me inundam.

Há uma música chamada “Quanto mais doce” que, contando, ninguém acredita. Precisa ouvir, porque é de uma doçura tão gostosa! Parece eu olhando hoje as fotinhos de meus filhos quando eles ainda eram bebês. É maravilhoso, sim!

Mas tem uma faixa desse disco de Lívia que virou meu novo endereço. Eu estou morando dentro dela já faz semanas. Chama-se “Como se fosse o mar”, uma parceria de Lívia Mattos com Thais Nicodemo e Ivan Lins. Um clássico de nascença. Linda, para deixar a canção dizer o resto.

Sim, o mundo é bonito que só. Gracioso como Lívia Mattos. Feito sua verve de cantora equilibrista, circense, socióloga. Jeitoso e irresistível tal qual sua elegância de sanfoneira arretada. Lívia é um tesouro. Pensadora luminosa em tempos de sombras. Criadora de belezas! Brasileira boa de amor e de festa. Maestrina exuberante de um espetáculo precioso.

Viva Lívia e sua música, seu ofício, sua vida. Viva sua verve e seu jeito honesto e deslumbrante de estar neste mundo!


André J. Gomes

É professor e publicitário.