Costumo dizer que me tornei cidadão honorário da Gorenjska, a região caipira aqui da Eslovênia onde escolhi viver até o fim da vida, na noite de 29 de agosto de 2024, poucas horas antes de completar 40 anos.
Há uma tradição local para as comemorações de aniversários redondos e, na releitura de meu vilarejo, os vizinhos organizam uma festa surpresa temática para homenagear aquele que muda a dezena da idade. Em meu caso, trouxeram roupas tradicionais que eu deveria vestir. Um casal igualmente trajado desse modo festivo dançou polca e depois me ensinou a arriscar alguns passos. Foi uma noite de polcas e boas, evidentemente.
— Soube que aqui mora um brasileiro que escolheu este lugar para viver. Com estas roupas e esta dança, queremos demonstrar que você é bem-vindo e já pode ser considerado um dos nossos — foi mais ou menos o que ele me disse, deixando minha garganta com um daqueles nós que não se desatam sem emoção.
Mas se a cidadania honorária foi garantida por esse gesto festivo, a certidão mesmo só chegou no início deste verão de 2025. Foi quando eu me tornei um dos felizes locatários — de forma vitalícia, a não ser que eu decline voluntariamente — de uma das 120 cabines disponíveis na piscina pública de Bled, na verdade uma área restrita do lago que funciona, no verão, como uma espécie de clube da cidade.
Se para quem me lê parece bobagem, eu preciso reafirmar aqui que é com o sentimento de um autêntico bledense que saio do armário quase diariamente — vestindo um calção de banho e pronto para dar o merecido mergulho refrescante ao fim de uma jornada exaustiva de trabalho.
Conseguir um desses armários-cabine é tarefa das mais complicadas. São poucos, dada a demanda. E como é um direito que pode ser renovado anualmente ao fim da temporada de verão, quem tem não abre mão. Em outras palavras, muito provavelmente alguém morreu entre setembro de 2024 e maio de 2025 para que a fila andasse até que eu fosse comunicado que o armário de número 29 seria meu.
Há uma sensação de poder embutida no conforto de chegar lá, encontrar as cadeiras, espaguetes e até o protetor do sol já esperando dentro da cabine. Há uma sensação de pleno pertencimento ao manusear a chave. Há uma vontade de personalizar tudo, instalar porta-retrato, pendurar flâmula do Palmeiras, levar um movelzinho de canto e ainda botar alguma suculenta decorativa. (Não, não vou, a Mari pode ficar tranquila!)
Em 2018, quando vim à Eslovênia pela primeira vez, ainda na perigosa condição de turista, eu escrevi um artigo para o jornal dizendo que o país era tão agradável e pequeno que parecia ser feito para quem quisesse passar as férias andando de chinelos.
Mas a condição de turista é perigosa por aqui porque quem vê a Eslovênia acaba querendo ficar para sempre na Eslovênia — o editor desta Bula, que conhece bem as terras desses arredores, certamente concorda com o que eu estou falando.
Aí que, ficando, acabei conquistando esses marcos de cidadania que são maiores do que qualquer documento oficial. E agora, veja só, sete anos depois daquela matéria de jornal, conquistei o direito de ir tomar um solzinho na beira do lago sem nada além de um calção de banho e um par de chinelos.
Antes que o verão acabe, loguinho loguinho ali.