A trama se organiza em torno de Ella, interpretada por Jaicy Elliot, e de Derek, vivido por Benjamin Hollingsworth. Ela desenha roupas para corpos que o sistema prefere ignorar; ele sustenta uma revista de moda ainda regida por critérios que confundem audiência com autoridade. A sinopse poderia chamar a velha fórmula em que a protagonista “ensina” humanidade ao executivo cético. Robison evita esse atalho. A relação entre os dois amadurece sem discursos messiânicos e, mais importante, sem que a trajetória dela seja subordinada à validação dele. O filme preserva a inteligência da personagem: ela sabe o que faz, conhece o ofício, identifica o ruído da planilha dentro do ateliê.
O cenário editorial não aparece como vitrine cintilante. Os espaços são estreitos, os cabides acumulam roupas como burocracia pendurada, as reuniões reduzem ideias a métricas. A fotografia prefere a luz funcional de bastidor, não a iluminação que embeleza por princípio. Essa opção estética serve ao argumento: “Amor em Grande Estilo” desromantiza a moda para expor o que há de política nos padrões. Quando uma coleção é recusada por não “performar” dentro do espectro magro, a cena não precisa de sermão. A recusa fala por si. E o filme tem a coragem de deixar que esse silêncio pese.
Elliot encontra uma chave precisa para Ella. Não parece performance calibrada para aplauso imediato; é atuação que ocupa espaço e exige que o enquadramento se ajuste ao corpo, e não o contrário. Há preparação técnica em como ela maneja o gesto no ateliê, a relação com o tecido, a atenção ao corte, o cuidado com a queda da peça sobre o manequim. Nada disso busca romantizar a protagonista. O que se observa é trabalho. Em contraponto, Hollingsworth recusa o príncipe corporativo. Derek é competente, mas preso ao manual; a curva de aprendizado dele não acontece em epifanias rasas, e sim no reconhecimento da própria conivência com um sistema de exclusão. Quando esse reconhecimento aparece, vem mediado por decisões administrativas concretas e por concessões parciais. É mais honesto do que uma guinada redentora.
A direção de Robison aposta no plano médio e no close contido, escolhas que evitam o espetáculo das passarelas e investem em rostos, mãos, costuras. O ritmo privilegia a cena que pensa e não apenas a que informa. Isso cobra um preço de paciência, sobretudo para quem espera viradas de cartilha. Mas a recompensa está na coerência entre forma e tema. Um filme que questiona padronizações não pode recorrer a atalhos que reduzam pessoas a funções. “Amor em Grande Estilo” preserva contradições. Em mais de um momento, Ella aciona a própria blindagem profissional para enfrentar a política miúda da revista. Em outros, falha, hesita, duvida. Esse movimento dá espessura dramática, anula o risco de transformá-la em símbolo estático.
Quando a obra se afasta do acerto, o motivo é identificável. Há passagens que escorregam para a previsibilidade da televisão de conforto, com cenas costuradas por música criada para atenuar o conflito. Ainda assim, mesmo nesses momentos, o filme reluta em transformar o romance em solução; a atração entre os protagonistas não vira prêmio narrativo, o emprego não é purificado por um gesto tardio, a cultura de revista não se converte do dia para a noite em laboratório de inclusão. A recusa do atalho, constante, sustenta a credibilidade do argumento.
O discurso sobre representatividade se mantém ancorado em escolhas de linguagem, não em frases de efeito. É eloquente observar como o filme enquadra o corpo de Ella sem tratá-lo como exceção. Não há corte que o fragmente para esconder, não há filtro que suavize por pudor. Há, sim, normalidade. E normalizar um corpo historicamente tornado invisível é um gesto político mais efetivo que qualquer proclamação. O interesse do roteiro está no que a indústria exige para aceitar essa normalidade: testes, provas, relatórios, reuniões, uma coleção-piloto monitorada por gráficos. A concretude da burocracia dá medida de como a exclusão opera.
O desenho de produção acompanha essa tese. Figurinos da protagonista funcionam como extensão da proposta estética que ela defende: paletas menos óbvias, modelagens que dialogam com conforto e estrutura, peças que valorizam movimento. O filme não transforma o guarda-roupa em catálogo. Não há desfile travestido de narrativa. O que se vê é coerência entre o que a personagem argumenta e o que veste. Ao redor, o ambiente corporativo exibe a frieza de tons neutros e a repetição de uniformes informais que padronizam comportamentos. De novo, a imagem explica o ponto.
Outro acerto está no modo como “Amor em Grande Estilo” trata a negociação de poder. Ella não vence discussões pela via moral; vence quando traz competência e resultado, quando demonstra que seu design amplia público sem perder qualidade, quando argumenta com dados sem abandonar a intuição de quem conhece cliente e tecido. Derek, por sua vez, aprende a deslocar a régua de sucesso. Entende que audiência não é sinônimo de pertinência e que o lucro, para se sustentar, precisa ler o mundo que muda. Não é conversão romântica. É trabalho de gestão, com compromissos, prazos, riscos.
A montagem evita a tentação de resumir pessoas a arcos edificantes. Secunda a paciência da direção e dá respiro ao olhar. Os cortes aparecem a serviço do diálogo, não da ansiedade. Quando a narrativa precisa acelerar, o faz por necessidade objetiva, como em decisões editoriais que não podem esperar. Ao som, nada de trilha que comande emoções. A música aparece para organizar transições e recolher cenas que, deliberadamente, não buscam explosão. É uma contenção que respeita o espectador.
Importa notar como o filme compara duas medidas: a do corpo e a do mercado. A primeira é concreta, mas maleável; a segunda é arbitrária, só que persistente. “Amor em Grande Estilo” observa o choque entre as duas e propõe uma saída de realismo pragmático. Não promete transformação estrutural em noventa minutos. Interessa-se por conquistas parcelares que mudam portfólios, páginas de revista, percepções internas. Em uma cultura de resultados, deslocar um centímetro importa. O gesto é pequeno, mas não é irrelevante.
Se o objetivo é avaliar a eficácia, o filme cumpre a missão com consistência. Oferece entretenimento capaz de dialogar com público amplo e, simultaneamente, incorpora crítica que não depende de chavões. Fornece personagens com agência e limitações reconhecíveis. Inscreve a discussão sobre diversidade em práticas de trabalho e não em slogans. Ali onde outras obras preferem a catarse, Robison escolhe consequência: toda decisão tem preço, todo avanço tem custo, toda mudança encontra resistência. O resultado tem valor porque admite esse atrito.
O final confirma a linha adotada desde a primeira cena. Não há lição de moral embalando a última imagem, não há cartolina com números que provem a virada, não há beijo que resolva a equação industrial. O que existe é um acordo de percurso entre duas pessoas que seguem negociando espaço em um sistema que não desaprende rápido. Ella preserva projeto e voz. Derek adapta estratégia e aprende a ouvir. A revista, peça central do impasse, dá um passo mensurável e mantém os vícios que exigem vigilância. A obra encerra sem pedir desculpa por sua escala. Faz o que prometeu: desloca a régua, muda o quadro, entrega sustância.
“Amor em Grande Estilo” merece ser visto como estudo de caso sobre como a comédia romântica televisiva pode incorporar densidade sem abandonar legibilidade popular. Quando a câmera trabalha para normalizar e o roteiro aposta na consequência, o gênero respira. E quando uma protagonista defende com técnica o que pensa, sem esperar salvação alheia, o cinema faz o que lhe cabe: dá forma a uma ideia e mede seu impacto no mundo real. Aqui, a medida fecha.
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