O ponto nem é se a galinha precede o ovo ou vice-versa. Ou se é possível pegar um bobo na casca do ovo. A luminosa gema da questão residente no útero deste micropalíndromo é quem foi o genial ser humano que, milênios atrás, viu um ovo, decidiu quebrar sua casca e comer.
Notou que era bom.
Espalhou a boa-nova e, ovacionado, introduziu o ovo no cardápio primitivo.
Uma ova!, exclamará o leitor. Ok, ok… Certamente não foi assim. Alguém deve ter observado outros animais comendo ovo. Ou, diante de um ovo acidentalmente quebrado, aquela pessoa da antiguidade não resistiu, passou o dedo no caldinho da clara e lambeu. E notou que era bom.
O que move a humanidade, portanto, é o notar que é bom — e isso vale para tudo: poesia, música, alimentação, viagem, sexo.
Notamos que é bom.
Ponto para a mãe-natureza, sábia.
Estudos indicam que o antepassado dos 33 bilhões de galos e galinhas domésticas que vivem hoje no planeta seja o galo-vermelho, também chamado de galo-banquiva, um bicho selvagem das florestas tropicais do sudeste asiático.
Daí perceberam que era mais prático manejar esse animal para ter carne e ovos à disposição do que, sei lá, sair por aí revirando ninhos pelas matas. De ovo em ovo, os indianos passaram a criar esse galináceo em cativeiro por volta de 3,2 mil anos a.C. Lá por 1,5 mil a.C., os egípcios domesticaram a ave. E, mais ou menos na mesma época, os chineses também fizeram isso.
Carnes e ovos eram o produto mais útil, do ponto de vista fisiológico, que esses animais ofertavam aos seus domesticadores, evidentemente. Mas há registros de que os banquivas também eram utilizados em sacrifícios rituais e para animadas rinhas de batalha. Pão, religião e circo, portanto. Versátil o bicho. Gema rara.
Segundo estudo alemão publicado no ano passado, há evidências arqueológicas de que as galinhas modernas surgiram — por evolução dessa domesticação — por volta do século 4 a.C., na região mais central da Ásia. Com a chamada Rota da Seda, a rede asiática de trajetos comerciais que facilitou a interação entre Oriente e Ocidente, galinhas e ovos começaram a chegar ao solo europeu. Em tempos de intensa mercantilização, todos buscavam os ovos de ouro, afinal. Mas isso só a partir do século 2 a.C.
Os romanos de então consumiam principalmente ovos de pavão. Mas a praticidade da criação dos galináceos modernos se impôs — antes ovo na mão do que aves voando. Calcula-se que hoje sejam consumidos por dia em todo o planeta 95 milhões de ovos: de ovo em ovo, a humanidade enche o papo.
Esta ovorosa crônica que faço hoje como se fosse ovo de Colombo não é porque pus todos os ovos na mesma cesta temática. É porque acabo de voltar de minha obrigação semanal: ir até o vizinho (ovizinho, ha ha ha) da esquina buscar ovos. Sou privilegiado: a 100 metros de casa mora o B., bledense da gema, um simpático e atencioso amigo que cria galinhas e vende ovos frescos.
Cada caixa carrega mais do que uma dúzia de ovos: claramente, sob as amarronzadas cascas repousam milênios de história, tradição, hábitos. E, ovo e meia, ainda troco duas ou três palavras com B. — na vida do imigrante, todo e qualquer diálogo frugal significa um sorriso de amizade, pertencimento, felicidade.