O filme que foi banido em 46 países — e por que ainda é inacessível hoje Divulgação / Contra Film

O filme que foi banido em 46 países — e por que ainda é inacessível hoje

“A Serbian Film” foi o filme de estreia do cineasta Srđan Spasojević, lançado em junho de 2010 durante o Festival de Cinema Fantasporto, em Portugal. Rapidamente, a produção ganhou repercussão global por conta de sua controvérsia: estética brutal, conteúdo gráfico extremo e debates éticos, políticos e artísticos bastante provocativos. Não conseguiu exibição fácil e acabou banido em alguns países, sendo obrigado a passar por extensas edições em outros.

O enredo acompanha um ex-ator pornô em dificuldades financeiras. Para sobreviver, ele aceita participar de um filme supostamente “artístico”, mas descobre que o trabalho é radicalmente diferente do que havia sido informado. Miloš (Srdjan Žika Todorović), o protagonista, é forçado a gravar cenas de snuff porn que envolvem necrofilia, pedofilia e violência sexual extrema. Altamente explícita, a produção escandalizou o mundo desde o dia de seu lançamento, sendo amplamente condenada por organizações de direitos humanos, críticos de cinema e autoridades legais em diferentes países.

Spasojević defendeu seu filme como uma metáfora política para o sistema sociopolítico da Sérvia pós-guerra. Com roteiro assinado por Aleksandar Radivojević, a obra fala sobre a anestesia moral da população sérvia após o colapso da Iugoslávia e os conflitos sangrentos dos anos 1990. O longa-metragem seria uma representação gráfica de um país sistematicamente violado por ditaduras, guerras, censuras e corrupção. Miloš representa o cidadão comum, arrastado pelas dificuldades financeiras a uma espiral de degradação progressiva, uma metáfora para a situação da população sob o regime de Slobodan Milošević, cuja liderança foi marcada por autoritarismo, nacionalismo radical e crimes de guerra.

O filme também funciona como crítica à censura institucionalizada e à hipocrisia moral. Afinal, as barbaridades representadas no filme, por mais repulsivas, já existem nas estruturas de poder político e social, embora camufladas, aceitas silenciosamente por não estarem visíveis aos olhos da maioria. A linguagem radical adotada por Spasojević seria, segundo ele, um grito de desespero contra a impotência e a alienação coletiva. O filme denuncia a banalização das atrocidades cometidas nos conflitos dos Bálcãs, muitas vezes ignoradas por governos e pela mídia internacional, e propõe uma reflexão violenta sobre os limites da representação e da indiferença.

“A Serbian Film” força o espectador a sair de sua zona de conforto de forma extrema, confrontando-o com a pergunta: até que ponto é aceitável tolerar a violência em nome da liberdade artística? Um exercício consciente de choque, o longa foi banido de países como Espanha, Noruega, Nova Zelândia, Austrália, Malásia, Singapura e Irlanda, em muitos casos com base em legislações que proíbem a representação de abuso infantil, apologia à violência sexual ou material considerado obsceno. Outros países, como Reino Unido, Alemanha, Brasil e Estados Unidos, permitiram sua exibição apenas com cortes drásticos — no caso do Reino Unido, a British Board of Film Classification exigiu 49 cortes para aprová-lo com classificação indicativa.

Mesmo 15 anos após seu lançamento, o filme continua provocando discussões intensas e é um tabu permanente em muitos círculos, inclusive dentro da crítica especializada. Embora seja exaltado por alguns como uma denúncia corajosa contra as violações de direitos humanos e a passividade da sociedade, muitos o consideram uma obra puramente sensacionalista, que utiliza temas altamente sensíveis de forma irresponsável. O debate entre provocação artística e exploração doentia ainda não encontrou consenso.

Assim, “A Serbian Film” permanece como um dos filmes mais censurados, discutidos e polêmicos da história do cinema contemporâneo. Amado, odiado ou simplesmente rejeitado, ele segue como um símbolo do que há de mais extremo na tensão entre liberdade criativa, responsabilidade ética e os limites do que se pode, ou se deve, representar na arte.

Fer Kalaoun

Fer Kalaoun é editora na Revista Bula e repórter especializada em jornalismo cultural, audiovisual e político desde 2014. Estudante de História no Instituto Federal de Goiás (IFG), traz uma perspectiva crítica e contextualizada aos seus textos. Já passou por grandes veículos de comunicação de Goiás, incluindo Rádio CBN, Jornal O Popular, Jornal Opção e Rádio Sagres, onde apresentou o quadro Cinemateca Sagres.