O casamento de Stephen King com o cinema talvez seja o caso de amor mais prolífico da história da cultura pop. O ano de 2017, que marcou a passagem dos setenta anos de King, em 21 de setembro, parece ter sido eleito, de caso pensado ou não, como a pedra fundamental de um merecido revival da carreira do mais bem-sucedido escritor da (comercialíssima) literatura dos séculos 20 e 21, e o interesse por suas histórias de suspense e terror psicológico (ou nem tanto) voltou com todo o gás — se é que algum dia arrefecera. “It — A Coisa” com seu palhaço metafísico, sob o comando de Andy Muschietti; “Jogo Perigoso”, de Mike Flanagan, thriller que se ocupa das neuras perversas de um casal entediado; e “1922”, onde Zak Hilditch expõe a monstruosa avareza de um rancheiro de Nebraska, arrastaram cada um centenas de milhões de espectadores às salas de cinema do mundo todo. Outro dos discípulos kinguianos na tela grande, o dinamarquês Nikolaj Arcel urde em “A Torre Negra” a saga sobre um delinquente em busca de lugar no mundo. Baseado na série literária homônima, o roteiro de Akiva Goldsman, Jeff Pinkner e Anders Thomas Jensen condensa os oito volumes mais oferecendo um novo ponto de vista acerca da história do que interpretando o que de fato se encontra nas páginas dos livros. A estratégia, ambiciosa, pode ter sido pensada para não deixar no sereno os espectadores que não leem King, mas além de não o conseguir, desagrada aos fãs do Mestre do Mistério. A junção de fantasia, faroeste, ficção científica e terror em ligeiros 95 minutos é um desafio que Arcel não supera.
Arcel muda o protagonista, talvez para alcançar um público mais numeroso, mas não faz todos os ajustes necessários. Agora, toma o palco Jake Chambers, um garoto nova-iorquino obsesso por pesadelos renitentes, durante os quais sempre vê um pistoleiro, uma torre e um feiticeiro sombrio. Ao se dar conta de que não são sonhos, mas uma realidade paralela que assume o tempo presente, Jake acaba sendo transportado para o Mundo Médio, onde conhece Roland Deschain, um sujeito trajado como um cavalariano medieval disposto a atravessar os séculos a fim de manter a ordem do universo. A tal torre do título está no ponto central do cosmos, onde fatos os mais estranhos têm ocorrido, e Deschain é o responsável por averiguar a razão do fenômeno. Tom Taylor faz de Jake um herói joyceano, a tresandar pelas duas dimensões como se a eternidade fosse um interminável 16 de junho de 1904, ao passo que Idris Elba incorpora Deschain esforçando-se por sublinhar as contradições do personagem, um tipo lúgubre que não tarda a demonstrar uma afeição verdadeira pelo garoto. Se Taylor e Elba não são um desastre completo, Walter, o Homem de Preto vivido por Matthew McConaughey, adequa-se perfeitamente ao tom farofeiro do longa, com direito a cacoetes de amante latino que deixam-no não assustador, mas involuntariamente cômico. “A Torre Negra” é um raro exemplo de uma trama de Stephen King que fica melhor no original.
★★★★★★★★★★