O medo é um sentir tão velho quanto o homem. Diante dos inúmeros perigos que a humanidade enfrenta desde sempre, é ele quem nos alerta quando alguma coisa parece fora de lugar, impedindo-nos de cair nos abismos para além do nosso parco conhecimento. Todavia, há ocasiões em que o medo cresce de tal forma que ramifica-se em emoções malfazejas, capazes de envenenar as intenções mais puras; nesse momento, dá-se a paranoia, um estado psíquico no qual a ameaça não precisa mais estar presente para que o terror ganhe corpo. Entre esses dois polos, levanta-se a coragem, não como ausência de pânico, mas a capacidade de dominá-lo. O medo nunca foi um vilão em si. Na verdade, essa impressão muitas vezes hipertrofiada de uma realidade desfavorável ofereceu sua grande contribuição para que evoluíssemos como espécie. Sem temer o predador, seres humanos dificilmente teríamos chegado até aqui. O medo é um aliado, um conselheiro prudente, que nas circunstâncias ideais diz apenas: “Vá, com toda a cautela, mas vá”.
A paranoia aparece não da realidade concreta, mas de projeções, entendimentos tortos e uma legião de espectros que não conseguimos exorcizar. O paranoico vê inimigos por toda parte, intrigas onde há somente coincidências, olhares maliciosos no lugar de descontração. Cada gesto alheio, por mais insignificante que seja, é um potencial ataque, que exige uma contraofensiva imediata. Viver assim é um eterno subir e descer de Sísifo na montanha, sem descanso. O paranoico constrói seu universo particular, impenetrável, cheio das armadilhas que só ele vê, e essa percepção enviesada da vida como ela é mina qualquer chance de relacionamentos sadios e longevos. Frente ao império da antilógica, a coragem é a solução. Não se trata de heroísmo, mas de vencer os desafios que se nos impõem no decorrer da jornada, recusar a fuga, acolher o novo. A coragem tem o condão de transformar o medo em lições, e as lições em epifania. Corajosos são antes de mais nada aqueles que ousam contrariar a maioria e ir pelo caminho mais estreito.
O discurso do medo atravessou o século 20 e acompanha-nos, tachando o outro, o diferente, como um rival a ser suprimido. O cinema vasculha o atormentado espírito do homem, como se assiste nas sete produções desta lista, de personagens da ficção e da vida como ela é que enfrentam temores reais ou imaginários em nome do que acreditam. Narrativas como essas prestam-se a inspirar o público a não desistir de seus sonhos, malgrado o preço seja a incompreensão e o desprezo, prenúncio da eterna glória.

Há muitas ressalvas a serem feitas acerca de “Oppenheimer”, bem como alguns elogios sinceros. O quase bombástico longa de Christopher Nolan sobre o físico americano que desenvolveu o artefato mais mortífero já concebidos pelo homem é um filme bastante previsível, a despeito de narrar uma história de há muito conhecida de 99% da população mundial; prolixo, mesmo que suas imagens terminem por compensar a demoradíssima espera pelo desfecho — ou mesmo pelos lances mais sublimes —; um tanto confuso em seus despejamentos maciços de informações sobre o público. Mas é também denso e poético em seus milhões de detalhes certeiros sobre a vida de Julius Robert Oppenheimer (1904-1967), o cientista mais importante do século 20 depois de Albert Einstein (1879-1955), cujas ideias foram simplesmente fundamentais para que chegasse ao objetivo de que trata Nolan, da mesma forma que os estudos de Isaac Newton (1643-1727) e Hendrik Lorentz (1853-1928) guiaram o alemão até suas incontestáveis Teoria da Relatividade Restrita e a da Relatividade Geral, de 1905 e 1915, respectivamente. O diretor-roteirista volta a algumas quadras determinantes na vida de Oppenheimer, como se de uma hora para a outra fosse tragado pela tempestade solar com que Nolan ilustra o prólogo. O espectador se defronta com os grandes olhos claros de Cillian Murphy mesmo nas sequências em que Oppenheimer, já um intelectual e um homem da ciência reconhecido com todo o mérito, é acossado pelos membros da Comissão de Energia Atômica (AEC na sigla em inglês) do Senado americano, presidida pelo almirante Lewis Strauss (1896-1974), representante da Virgínia Ocidental na Câmara Alta do parlamento pelo Partido Republicano. Uma coisa é certa: sem Oppenheimer, não teria sobrado ninguém.

Dirigido por Joe Wright, “O Destino de uma Nação” é um drama histórico que acompanha os turbulentos primeiros dias de Winston Churchill (1874-1965) como primeiro-ministro do Reino Unido durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Com a atuação marcante de Gary Oldman — laureado com o Oscar de Melhor Ator —, o filme revela o conflito interno de Churchill diante da iminente ameaça nazista, da pressão política interna e da dúvida entre negociar com Hitler ou resistir. Wright constrói uma narrativa tensa e claustrofóbica, refletindo a urgência e o caos do momento histórico. O roteiro de Anthony McCarten valoriza os bastidores da política, com diálogos intensos e embates dramáticos que destacam a solidão do poder. A fotografia escura e o uso expressivo da luz sublinham o clima opressivo e a dúvida moral que assombra o protagonista. No entanto, o filme não está isento de críticas: por vezes, a dramatização exagerada e os discursos grandiosos arriscam romantizar o personagem, suavizando suas contradições históricas. Ainda assim, “O Destino de uma Nação” é uma obra poderosa que combina história, performance e cinema com vigor.

Em “A Cura”, Gore Verbinski compõe um thriller psicológico que mistura horror gótico com ficção científica e crítica social. A trama acompanha Lockhart, um ambicioso executivo enviado a um remoto spa nos Alpes suíços para resgatar o CEO de sua empresa. Lá, ele se depara com um ambiente estranho e perturbador, onde nada é o que parece. Visualmente deslumbrante, o filme se destaca pela fotografia sombria e detalhista, evocando clássicos como “O Iluminado” (1980), dirigido por Stanley Kubrick (1928-1999), e “Ilha do Medo” (2010), de Martin Scorsese. Verbinski constrói uma atmosfera de crescente paranoia, explorando temas como decadência, loucura, ganância corporativa e a busca obsessiva por juventude e pureza. No entanto, o excesso de simbolismo e a duração estendida acabam comprometendo o ritmo, tornando o enredo arrastado em certos trechos. Apesar disso, o filme mantém o espectador imerso por seu mistério e visual hipnótico. Com ecos de contos de terror do século 19, “A Cura” é uma experiência densa, desconcertante e ambiciosa, que não agradará a todos, mas certamente deixa uma marca por sua ousadia estética e narrativa.

“2001 — Uma Odisseia no Espaço” (1968) continua a ser o filme definitivo sobre a incursão do homem noutras galáxias, embora se tente até hoje superar o gênio de um inspiradíssimo Stanley Kubrick (1928-1999), casos, entre muitos outros, do mexicano Alfonso Cuarón, com “Gravidade” (2013); do certeiro Ridley Scott em Perdido em Marte (2015); e do chileno-sueco Daniel Espinosa, diretor de “Life” (2017), realizadores talentosos e competentes em seu ofício, cujas produções esmeraram-se para merecer estar em algum ponto do universo desbravado por Kubrick. Christopher Nolan junta-se ao clube com “Interestelar”, um relato meio artificioso, mas ainda assim cheio de grandes momentos, sobre a eterna tendência do gênero humano para a destruição, inclusive do único planeta de que dispõe para viver. Nolan e o irmão, Jonathan, seu corroteirista, usam a iminência de um apocalipse para abordar rupturas familiares e a inescapável solidão nascida delas, como se num piscar de olhos aqueles que amamos se mudassem para uma galáxia distante, restando só uma terra morta. Cooper, o astronauta viúvo interpretado por Matthew McConaughey, parece o mais infeliz dos homens. Comandante da Endurance, a espaçonave que tenta chegar a um buraco negro nas imediações de Júpiter e daí a outros corpos celestes onde dar-se-á uma possível nova colonização, Cooper divide sua rotina com Amelia Brand, que por seu turno lamenta o fracasso da relação com o pai, astrofísico premiado, e os dois prestam-se a mestres de cerimônia de um enredo assombroso em sua melancolia, cheio das reviravoltas todas que garantem um percurso ora acidentado, ora menos turbulento, esvaziado das perturbações capazes de tirar do eixo navegantes zelosos. Anne Hathaway ancora boa parte das quase três horas, numa boa tabelinha com Jessica Chastain na pele de Murphy, a filha de Cooper num tempo futuro, porém indefinido, outro dos temas deslindados por Nolan entre uma e outra especulação acerca do como nos sairíamos obrigados a ganhar a vida numa dimensão paralela qualquer.

Há maneiras e maneiras de se provocar a inspiração de alguém. Histórias feito a de Louis Zamperini (1917-2014), o protagonista de “Invencível”, mais um dos bons dramas de guerra dirigidos por Angelina Jolie, no entanto, fazem muito mais que isso. Jolie, que dá a impressão de ser mesmo uma aficionada pelo tema, incorporando com gosto e convicção a aura da mulher bonita que prova a si e ao mundo que vai além da estética, vislumbrara no enredo, dissecado sem clemência por outra mulher, Laura Hillenbrand, a chance de liquidar muitos coelhos numa só cajadada. O romance em que o longa é baseado, cuja publicação, em 2010, acendeu o interesse do público pela figura central da trama — “Invencível — Uma História Real de Coragem, Sobrevivência e Redenção”, o livro de Hillenbrand, não tardou a virar um best-seller —, é, coincidentemente ou não, um dos mais fílmicos de que se tem notícia, com narrações até meio enfadonhamente desnecessárias sobre a deterioração da física do herói a dado momento da história. A diretora não deixa por menos e aproveita o veio firmado por Hillenbrand a fim de fazer uma das coisas que aprendeu ao longo de um quarto de século ouvindo as instruções dos inúmeros diretores com quem já trabalhou: elaborar ângulos insólitos e dinâmicos para o que é estático por natureza.