Os 4 livros que Raduan Nassar nunca deixou de reler — mesmo depois do silêncio Paulo Pinto / Divulgação

Os 4 livros que Raduan Nassar nunca deixou de reler — mesmo depois do silêncio

Há quem diga que toda obra é feita de outras leituras. No caso de Raduan Nassar, essa afirmação talvez seja incômoda demais, porque exige adivinhar o que ele sempre preferiu guardar. Nassar nunca foi um autor de reverências públicas. Deu poucas entrevistas, recusou homenagens, retirou-se quando o país inteiro ainda o descobria. Mesmo assim, em raros momentos, deixou escapar nomes. Títulos. Ecos. Não explicou muito. Mas o que deixou entrever permite um gesto raro: rastrear não a biblioteca inteira, mas as fissuras que ele escolheu manter abertas. Jorge de Lima, por exemplo, foi um desses nomes. Quando falou de “Invenção de Orfeu”, disse que lia sem entender, mas entendia demais. É um tipo de leitura que não se resume à análise. É quase corpo. Também leu “S. Bernardo”, de Graciliano Ramos, com o respeito de quem reconhece a arquitetura da secura. De Robbe‑Grillet, disse que a literatura era civilizada demais, mas “bem construída”. E mergulhou. E ficou. Em Bacon, encontrou método, sim. Mas também ruptura. Há uma coerência curiosa nesses quatro livros: nenhum deles é passível de leitura fácil. Todos exigem escuta. E todos parecem guardar, de algum modo, a mesma tensão que existe nos seus próprios textos. Uma violência contida, uma lógica que beira o delírio, uma organização que quase fere. Raduan não falou de Kafka, nem de Proust, nem de Clarice. Não por rejeição, provavelmente. Mas porque o que ele leu como releitura nunca foi moda. Foi ferida. E isso importa. Porque quando alguém se retira da literatura como ele se retirou, tudo o que resta é voltar ao que ficou. E ali, entre os poucos títulos que confessou, talvez esteja o que ele próprio não quis escrever mais. Porque já tinham escrito. E tinham escrito do único jeito que ele mesmo parecia achar aceitável: com urgência, com rigor, com silêncio. Reler, nesse caso, nunca foi nostalgia. Foi permanência.

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