Se toda história dispõe de começo, meio e fim, é lógico pensar que o mesmo se dê com a Terra — e com o próprio universo —, e, quiçá, tudo se reinicie de outro modo. Nunca serão demais reproches a mecanismos inventados e desenvolvidos por seres humanos que, mais cedo ou mais tarde (e, pelo visto, será muito mais cedo do que se pensa), reduzirão outros seres humanos a meros coadjuvantes de sua história, e por aí vai caminhando “Equilibrium”. Inovador, o filme de Kurt Wimmer capta grande parte de nossas incertezas quanto ao futuro da humanidade na conjuntura cada vez mais extrema de supressão de toda a subjetividade que pode compor o espírito do homem, fundamental para que seja de fato livre. Em seu ótimo roteiro, Wimmer recorre a metáforas de compreensão fácil, todas de algum modo sinalizando um apocalipse gradativo, mas nem por isso menos perverso, com o qual os sobreviventes terão de acostumar-se. E o espectador acusa o golpe.
Ditaduras, de esquerda ou de direita, são formas autoritárias de poder que atropelam toda chance de felicidade de um povo ao socorrerem-se de censura, perseguições políticas, detenções arbitrárias, tortura e assassinato de opositores. Regimes totalitários, a despeito de seu viés ideológico, não admitem contestação, calando seus cidadãos e punindo com severidade aqueles que teimam em incomodar. O trauma coletivo que fica após uma experiência dessa natureza atravessa gerações, e leva-se muito, muito tempo até que os indivíduos voltem a confiar no Estado. Há mais de duas décadas, “Equilibrium” soube elencar uma infinidade de razões bastante pertinentes — e óbvias — sobre a impropriedade e mesmo os perigos dessas falsas revoluções, e pessoas que gozam da verdadeira autonomia talvez custem a perceber a mensagem do longa.
A narrativa desenrola-se num cenário típico. Depois de uma devastadora Terceira Guerra Mundial, os poderosos de todas as nações resolvem erradicar os sentimentos de seus governados, por lhes atribuírem a culpa pela violência e a destruição que ainda se fazem sentir. Numa terra particularmente diabólica reina o Pai, uma figura cheia de mistérios cuja autoridade só se sustenta por causa do Prozium, uma droga que inibe as emoções. Os clérigos são os responsáveis por garantir que ninguém burle a determinação do Pai, e John Preston é o encarregado de caçar e eliminar os que desafiam o sistema. O filme comeca a mostrar a que veio no momento em que Preston, sem nenhuma razão específica, vira ele próprio um rebelde e interrompe o uso da medicação, acolhendo as reações ao que está vivendo. Christian Bale, com o talento de costume e uma profundidade adicional, alcança as muitas notas dessa elegia ao absurdo nem tão absurdo assim. Apesar de não ser uma obra-prima a exemplo de “Blade Runner” (1982), o inaudito blockbuster de Ridley Scott, ou “Laranja Mecânica” (1971), de Stanley Kubrick (1928-1999), “Equilibrium” é, sim, uma história que deve ser revisitada de quando em quando.
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