8 romances que filosofam melhor que muito doutorado em Kant

8 romances que filosofam melhor que muito doutorado em Kant

Em sua forma mais pura, a filosofia nasce do espanto. Antes de tornar-se um sistema, um código ou uma escola de pensamento, ela foi perplexidade frente ao mundo, angústia diante do tempo, assombro a atacar a morte. É nesse sentido que alguns romances chegam à filosofia com mais profundidade e vigor do que muitos tratados acadêmicos, inclusive os escritos por gente especializada em Kant, Hegel, Nietzsche ou Wittgenstein. A literatura tem o condão de devassar a vida por dentro, enquanto a filosofia muitas vezes a observa de fora, com as pinças gélidas da razão conceitual. Os grandes romances não só discutem ideias, mas as encarnam e, por isso, podem tocar com mais força as vísceras e os nervos do ser. A filosofia sempre corre o risco de transformar a vida num objeto de análise, ao passo que o romance estabelece um pacto com a experiência vivida, com a dor, o amor, o desespero e a esperança de seus personagens — e, por extensão, nossos. Quando lemos uma grande história, não apenas tomamos contato com uma teoria, mas deslocamo-nos do nosso lugar habitual.

O romance tem uma liberdade a que a filosofia sistemática muitas vezes não pode se permitir. Filósofos devem observar o rigor metodológico, recorrer a citações do cânone, explicar o léxico de seu ofício. Já o romancista inventa sua própria linguagem, torce o pensamento, contradiz-se, perde-se. Essa liberdade é revolucionária. Livros como “Crime e Castigo” (1866), de Fiódor Dostoiévski (1821-1881), ou “Dom Quixote” (1605), de Miguel de Cervantes (1547-1616), não se limitam a especular sobre o mal, a liberdade ou as tão humanas aflições: eles mergulham o leitor nesses abismos, fazendo-o viver na carne os paradoxos da existência. A filosofia tende à estruturação, à rigidez conceitual, enquanto a literatura é movimento, uma constante ebulição dos sentidos. A filosofia, mesmo em sua versão dialética, busca conclusões, sínteses, mas os romances juntam inúmeras perspectivas numa mesma trama, o que torna o pensamento mais plural, dinâmico e generoso.

Romances não precisam resolver coisa alguma, e assim mesmo, explicam o mundo ao colocar o leitor diante da tensão irreconciliável, fazendo-o abraçar a contradição e rir-se de suas feridas. Isso é o que se constata na seleção abaixo, com oito romances que se equiparam ao melhor da filosofia de Kant que, claro, nunca há de perder sua relevância. Ao lado de “Crime e Castigo” e “Dom Quixote”, figuram outros cinco exemplos de uma literatura na qual nada é gratuito e cada frase parece nascida de uma elaboração lenta, refinada, instilando em quem lê a estranha (e necessária) vontade de virar-se de dentro para fora. 

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.