Você é igual ou diferente de seu amor? A literatura explica seu relacionamento

Você é igual ou diferente de seu amor? A literatura explica seu relacionamento

É uma verdade filosófica que existem seis tipos de relacionamentos amorosos, baseados no quanto você e seu companheiro, companheira, marido, esposa, namorado, namorada, ficante ou amizade colorida se aproximam em termos de personalidade, interesses, práticas, costumes, apoio mútuo, inveja, competição, intimidade.

— Casal Igual — Igual.

— Casal Diferente — Diferente.

— Casal Igual — Diferente.

— Casal Diferente — Igual.

— Casal Igual — Diferente — Igual.

— Casal Diferente — Igual — Diferente.

O filósofo francês Albert Camus estava errado quando escreveu, na primeira linha do livro “O Mito de Sísifo”, que “só existe um problema filosófico realmente sério: o suicídio”. Na verdade, a maior questão filosófica, histórica, sociológica, antropológica e artística da humanidade é o amor. O bom e velho amor, sentimento que separa os seres humanos das bestas, transforma seres humanos em bestas e faz muita gente de besta.

Os cínicos vão discordar, afirmando que o sentimento amoroso é irrelevante em comparação com a radicalidade inerente à decisão de tirar a própria vida. Contudo, em um golpe de judô retórico, chamo para depor Anna Kariênina, Madame Bovary, Romeu, Julieta, Ofélia e o nobre cônsul macho alfa hétero top Antônio, que sobreviveu às guerras civis romanas, mas quebrou diante da perspectiva de perder Cleópatra. O que os motivou? O que os levou à loucura do autoextermínio? O próprio Nietzsche ficou mais perto da loucura pelo fora que levou de Lou Salomé do que diante da epifania do Eterno Retorno. Sim, é preciso imaginar Sísifo feliz. Mas podem ter certeza de que ele esperava encontrar um cobertor de orelhas no alto daquele maldito morro.

Uma frase atribuída ao escritor Gabriel García Márquez defende que “o grito mais antigo da humanidade é o amor”. Se você o chama de Gabo, provavelmente concorda com o diagnóstico. É fato histórico que o conceito de amor conforme conhecemos hoje é uma criação do mundo burguês, remontando ao final da Idade Média e início do Renascimento, com o advento do humanismo. Mas o sentimento de afetividade amorosa está presente desde os primórdios da humanidade, como pode ser observado nos mais antigos registros artísticos e, sobretudo, em nossa tradição literária, que antecede em séculos o nascimento da filosofia.

A literatura é o código-fonte do espírito humano. No mais antigo livro conhecido, “A Epopeia de Gilgamesh”, foi uma recusa amorosa que motivou a aventura em busca da imortalidade. O amor entre Helena e Páris fez eclodir a Guerra de Tróia. Foi uma porção do amor que fomentou a tragédia de Tristão e Isolda. O amor entre Lancelot do Lago e a Rainha Guinevere rachou a Távola Redonda do Rei Artur. O amor condenou Paolo e Francesca à eternidade no inferno de Dante. Foi a idealização do amor que fomentou a epidemia de suicídios provocada pelos “Sofrimentos do Jovem Werther”, de Goethe. A vulgarização do amor multiplicou os tons de cinza.

Os encontros e desencontros amorosos são imponderáveis. Relações afetivas, bem ou mal-sucedidas, podem começar pelos mais diferentes motivos: combinações familiares tradicionais (o tal “amor vem com o tempo”), lobby dos amigos, amores à primeira vista, sedução barata, sedução cara, baladas que se estendem para a vida, vidas que se estendem para as baladas, pressão social, pagar para ver, pilha errada, pilha certa, medo de ficar para titia, falta do que fazer ou simplesmente a sensação de que “chegou a hora”. Qualquer um desses casos vai se encaixar em um dos seis tipos.

Como todo modelo que pretende representar a realidade, esses também precisam ser corroborados com estudos de caso, tipos ideais, arquétipos, chamem do que quiser. Ao contrário do que pode parecer, célebres casais reais como Simone de Beauvoir e Sartre, Abelardo e Heloísa, Mughal Shah Jahan e Mumtaz Mahal, Sylvia Plath e Ted Hughes, Elvis e Priscilla Presley, Charles e Diana, John e Yoko, D. e André Gorz, Susan Sontag e Annie Leibovitz, JFK e Jacqueline Kennedy Onassis, Cary Grant e Randolph Scott, Pam e Jim, Sid e Nancy, Woody Allen e Mia Farrow, Pierre e Marie Curie, Pilar e Saramago, entre muitos outros, não são bons exemplos. Temos cartas, vídeos, documentários, biografias e outros produtos culturais ou historiográficos, mas são sempre recortes da realidade, autorizados ou não autorizados. Somente o casal sabe o que de fato acontece atrás de uma porta fechada, durante as infinitas horas de convivência cotidiana não registrada por biógrafos, vizinhos ou paparazzi. Vide o recente flagrante do tapa dado pela primeira-dama Brigitte no presidente francês Emmanuel Macron. Quem poderia imaginar?

O mesmo não acontece na literatura. A criação literária é tanto um recorte quanto a completude da existência de seus personagens. Um bom romance, conto ou poema narrativo precisa fazer parecer que seus personagens existem para além deles, embora não precise mostrar. A parte deve valer pelo todo. Do contrário, será uma obra malsucedida, artificial. A voz narrativa do romance “Na Voz Dela”, da escritora italiana Alba de Céspedes, ponderou: “porque todos sabem o que ele valia pelos seus escritos, o que era para seus alunos, os amigos conhecem seu modo de ser amigo e sua mãe o de ser filho, mas só eu posso saber dele como marido”. No mínimo, é um ponto de vista que deve ser levado em consideração.

Portanto, vamos buscar na literatura exemplos dos seis modelos de relacionamentos.

Casal Igual — Igual

O primeiro tipo de casal, o Igual — Igual, pode facilmente ser idealizado como algo eminentemente positivo a partir de expressões populares como “alma gêmea”, “metade da laranja” ou o “you’re my lobster” (você é minha lagosta), da série Friends. É um ideal sedutor, muito presente em narrativas simples, ou simplistas, como a dos contos de fadas. Contudo, refletindo com mais profundidade, fica evidente o perigo de ser parecido demais com alguém, ou forçar essa semelhança em busca de conforto e sensação de segurança. Sem margem para manobras, o relacionamento pode se converter em tédio absoluto ou transformar-se em uma algema emocional, com potencial para gerar consequências desastrosas.

Há exemplos icônicos na literatura, como os coléricos Katherine e Heathcliff, protagonistas de “O Morro dos Ventos Uivantes”, de Emily Brontë; os ambiciosos Scarlett O’Hara e Rhett Butler, de “… E o Vento Levou”, de Margaret Mitchell; os amorais Marquesa de Merteuil e Visconde de Valmont, de “As Ligações Perigosas”, de Choderlos de Laclos; e os requintados Carlos da Maia e Maria Eduarda, de “Os Maias”, de Eça de Queiroz. Em todos os casos, a semelhança extrema serviu tanto como atrativo para o início quanto como catalisador do fim do relacionamento. Outro clichê vale ser citado aqui: “dois bicudos não se beijam”.

Casal Diferente — Diferente

Ser um casal do tipo Diferente — Diferente muitas vezes sustenta mais a relação. Mas isso não é necessariamente uma boa notícia. Alba de Céspedes, dessa vez no romance “Caderno Proibido”, lembrou que “desse contínuo fingir dormir e permanecer acordado na própria angústia, sem que o companheiro se dê conta, é feita a história de um casamento exemplar”.

Alguns dos mais emblemáticos casais Diferente — Diferente da literatura encontram-se na tradição dos romances de adultério. Anna Kariênina, Madame Bovary, Lady Chatterley e Capitu são o completo oposto de seus maridos. Não que esses maridos sejam iguais entre si. Cada um é diferente ao seu modo.

O aristocrático conde Alexei Kariênin, esposo de Anna, é um homem de seu tempo, agindo dentro dos padrões morais de sua classe, estando preocupado, sobretudo, com as aparências. A genial habilidade narrativa de Tolstói conseguiu deixá-lo humano, repleto de contradições e zonas cinzentas. Talvez seu defeito mais evidente esteja nas orelhas de abano. Não é meramente um vilão, um empecilho bidimensional para o romance entre sua esposa e o oficial da cavalaria conde Alexei Vronsky, um homem sob muitos aspectos inferior ao conde Kariênin. Vronsky, um sujeito superficial e arrogante, apesar de charmoso, não é uma figura sofisticada. A elegante e sensível Anna Kariênina deixou-se encantar por um pastel de vento montado em um cavalo. O conde Alexei amante é tão Diferente — Diferente dela quanto o conde Alexei marido. Só não tem orelhas de abano.

Não é incomum nos romances de adultério que os amantes também sejam Diferente — Diferente das protagonistas femininas. Emma Bovary tinha o dedo podre. Não teve nada em comum com nenhum dos homens com os quais se envolveu ao longo da narrativa. Seu marido, Charles Bovary, era um apático e medíocre médico de província. Poderia ser denominado como um “bom homem” de acordo com os padrões sociais mais básicos, sendo alguém que cumpria suas obrigações conjugais, fiel e relativamente inteligente, mas sem nenhuma imaginação, mostrando-se incapaz de compreender a personalidade esfuziante e imaginativa da esposa. Os amantes de Emma sucedem-se, cada um pior do que o outro, levando-a ao declínio físico e psicológico, culminando com sua morte. O gentil Charles Bovary nem entendeu direito o que aconteceu.

Muito menos talentoso do que Tolstói e Flaubert, D. H. Lawrence não conseguiu dar muitas camadas de personalidade para Clifford Chatterley, marido da fogosa “Connie” Chatterley, tornando-o um vilão de folhetim, deformado por dentro e por fora. Menos moralista do que “Anna Kariênina” e “Madame Bovary”, o melodrama erótico “O Amante de Lady Chatterley” tem final feliz. “Connie” termina rica, fugindo com o simplório guarda-caças Oliver Mellors, seu “moreno alto, bonito e sensual” particular.

Nosso Machado de Assis é um escritor do mesmo nível que Tolstói e Flaubert e fez de “Dom Casmurro” uma obra-prima. Muito se discute se escreveu um romance sobre dúvida, sobre ciúme ou sobre adultério. O fato é que Capitu é uma mulher muito melhor do que Bentinho é homem, e ele mesmo admite isso. Mais inteligente, mais vivaz, mais carismática. Diante de figura tão apagada, mimado, emocionalmente estéril e cheio de vontades, se Capitu não traiu, deveria ter traído.

Casal Igual — Diferente

O mesmo não se pode falar sobre os charmosos Jay Gatsby e Daisy Buchanan, protagonistas de “O Grande Gatsby”. A arte imita a vida. F. Scott Fitzgerald escreveu que “às vezes fico sem saber se Zelda e eu somos reais ou se somos personagens de um dos meus romances”. Jay e Daisy representam a quintessência do que seria um casal Igual — Diferente. As semelhanças são flagrantes, suficientes para sustentar um amor impossível durante longos anos, ao mesmo tempo em que as diferenças os mantêm em constante situação de atrito, que algumas vezes evolui para competição, como também aconteceu com os eruditos Julio Matasanz e Myrna, os velhos amantes historiadores especialistas no mito arturiano do romance “Erec e Enide”, de Manuel Vásquez Montalbán.

No Casal Igual — Diferente as semelhanças e diferenças não são equivalentes. Não seria metade — metade. Não é algo facilmente quantificável, mas as semelhanças se sobressaem, como no caso dos inomináveis amigos de “Fazes-me Falta”, de Inês Pedrosa, em que tentam se lembrar se “chegaste a dizer que eu era o eco da tua alma, ou já estou a inventar?”. Se fossem lagostas, não teriam dúvidas.

Casal Diferente — Igual

Ocorre o oposto com o Casal Diferente — Igual. As diferenças se sobrepõem às semelhanças, transformando competição em confronto aberto. É preciso sabedoria para fazer funcionar. Não deu certo com Macabéa e Olímpico em “A Hora da Estrela”, de Clarice Lispector. O patético e orgulhoso Olímpico detestaria a ideia de ter alguma semelhança com a ingênua Macabéa, mas tinha — e muita.

Por outro lado, Darcy e Elizabeth demoraram quatrocentas páginas de brigas, encontros e desencontros para perceberem o quanto são parecidos, o quanto foram movidos pelo orgulho e por preconceito em relação ao outro. Jane Austen teve razão e sensibilidade para conduzi-los a um final feliz.

Casal Igual — Diferente — Igual

Infelizmente, não tiveram um final feliz os descolados artistas amadores Dickie Greenleaf e Marge Sherwood, os namorados vampirizados pelo personagem-título de “O Talentoso Ripley”, de Patricia Highsmith. Representavam um belo Casal Igual — Diferente — Igual. Possuíam muitos pontos em comum, temperados com diferenças marcantes que tendem a ser resolvidas com mais semelhanças. Um verdadeiro sanduíche emocional: duas fatias de compatibilidade com recheio de incompatibilidade diet.

Não é incomum que um casal desse tipo, diante de um problema, chegue às mesmas conclusões por raciocínios diferentes. Ou ainda que esse aspecto de diferença permita que um deles pense em algo que o outro não conseguiria pensar, como aconteceu com os detetives culturais Lia e Casaubon diante do bilhete misterioso que inspirou a elaboração do “plano” em “O Pêndulo de Foucault”, de Umberto Eco. Viram-se pela primeira vez em uma biblioteca, brigando para saber quem consultaria primeiro um tomo raro. Terminaram em um restaurante grego. “’É estranho’, disse-me ela, ‘eu também’“.

Ao mesmo tempo, esse elemento de diferença pode fazer duas pessoas extremamente parecidas tomarem decisões opostas. Foi o que aconteceu com os “leves”, belos, inteligentes e hedonistas inveterados Tomás e Sabina, de “A Insustentável Leveza do Ser”, de Milan Kundera, diante da ameaça da censura totalitária. Tomás optou pela resignação orgulhosa, enquanto Sabina fugiu para conseguir viver conforme seus ideais de liberdade. Ele morreu como um mártir de si mesmo, satisfeito por ter sido capaz de resistir à tentação de trair seus ideais. Ela viveu como uma pária, tendo a arte como uma desculpa para não se apegar a mais nada. Não fosse a Primavera de Praga, viveriam uma eterna primavera voluptuosa.

Casal Diferente — Igual — Diferente

A segunda companheira de Tomás, a “pesada” Teresa, é o inverso de Sabina. Formam um casal Diferente — Igual — Diferente. À primeira vista, não têm nada em comum, diferenças gritantes se sobrepõem. Mas algo os aproxima. Pequenos detalhes, cultivados no cotidiano, estabilizam o relacionamento. Pelo menos o suficiente para não tombar — salvo se tratar-se de um caminhão sem freio.

Gabriel García Márquez foi especialista na construção desse tipo de casal. Os protagonistas de suas duas maiores obras-primas pertencem à estirpe Diferente — Igual — Diferente: José Arcadio Buendía e Úrsula Iguarán, de “Cem Anos de Solidão”, e o triângulo amoroso Florentino Ariza, Fermina Daza e Juvenal Urbino, de “O Amor nos Tempos do Cólera”. Úrsula era pragmática, enquanto José Arcadio era um sonhador. Ambos obstinados — seja para fazer fortuna com doces em forma de animais ou para construir alguma geringonça que provavelmente não vai funcionar.

A bela Fermina Daza estava certa quando percebeu que seu suposto amor pelo troncho Florentino Ariza era ilusório e fruto de sua inexperiência. A bela Fermina Daza estava certa quando aceitou o pedido de casamento do igualmente belo, bem-sucedido e carismático médico Juvenal Urbino, mesmo não sentindo arder o fogo da paixão. Algo que poderia ser chamado de amor “veio com o tempo”. A viúva Fermina Daza estava certa quando decidiu dar uma chance ao solteirão priápico Florentino Ariza no crepúsculo da vida de ambos — cinquenta e três anos, sete meses e onze dias após o fora. Considerou que sua obstinação excêntrica de décadas tinha lá sua graça.

Os dois maiores escritores do século 20, Marcel Proust e James Joyce, também deram suas contribuições na criação de complexos casais Diferente — Igual — Diferente. Em “Ulisses”, depois de passar páginas e mais páginas de monólogo em fluxo de consciência, questionando tudo, repensando sua condição de esposa, mãe e mulher, Molly Bloom terminou dizendo sim — para a vida e para o marido Leopold.

Diferentemente, Charles Swann, de “Em Busca do Tempo Perdido”, disse não para Odette de Crécy. Lemos nas últimas linhas da novela “Um Amor de Swann” que Charles “exclamou consigo mesmo: ‘E dizer que eu estraguei anos inteiros de minha vida, que desejei a morte, que tive o meu maior amor, por uma mulher que não me agradava, que não era o meu tipo!’“. Curiosamente, Charles e Odette ressurgem casados na história. Aparentemente, alguma semelhança uniu os diferentes. O resto é história.

Ou o resto é silêncio. Resta saber se o silêncio é acolhedor, indiferente ou constrangedor. Isso apenas cada um dos seis tipos de casais é capaz de saber — atrás das portas fechadas.

Esse texto é parte do livro “Pensamento Intrusivo”, que será lançado em breve.

Ademir Luiz

Doutor em História Medieval. Pós-doutorado em Poéticas Visuais e Processos de Criação. Bolsista pesquisador do Instituto Camões de Portugal. Indicado ao Prêmio Capes de teses. Professor universitário, romancista, contista, critico, ensaísta e poeta bissexto. Criador da Teoria do Chaves, o texto mais lido e compartilhado da internet sul-americana.