O Plano Perfeito 2 — sequência de clássico aclamado de Spike Lee chega à Netflix Divulgação / Universal 1440 Entertainment

O Plano Perfeito 2 — sequência de clássico aclamado de Spike Lee chega à Netflix

Existe algo de revelador quando uma continuação opta por evitar o legado que a originou. “O Plano Perfeito 2” não pretende disputar espaço com o longa de 2006, dirigido por Spike Lee, mas tampouco se liberta dele. Ao contrário, esta sequência tardia, feita sob medida para o streaming, parece hesitar entre reverenciar a estética do original e aceitar sua própria condição de produto funcional. A hesitação, no entanto, contamina o filme de ponta a ponta — e isso se traduz em escolhas que preferem a eficiência ao risco, o movimento ao sentido, o reconhecimento ao impacto.

Dirigido por Michael J. Bassett, o filme parte de um assalto à Reserva Federal de Nova York comandado por uma líder que assume o codinome “Mais Procurada”. Em paralelo, duas figuras opostas são escaladas para impedir o ataque: o negociador Remy Darbonne, um policial de temperamento inflamável, e a metódica agente do FBI Brynn Stewart, que representa o lado mais racional da equação. A dinâmica entre os dois parece saída de um manual de buddy cops, em que o conflito é coreografado desde o início para gerar atrito sem profundidade — uma espécie de ruído emocional cuidadosamente calculado para manter a narrativa em movimento, mesmo quando ela própria se revela incapaz de sustentar tensão genuína.

O que se observa ao longo da trama é uma recusa deliberada em complexificar qualquer elemento. O ouro nazista escondido, peça central do enredo, poderia ter desdobramentos éticos ou históricos relevantes — mas é convertido em mero gatilho para uma sequência de ação acelerada. A decisão de derretê-lo assim que encontrado serve como símbolo da própria superficialidade do roteiro: ao renunciar ao peso simbólico do artefato, o filme reitera seu desinteresse por tudo que não se encaixe na fórmula do entretenimento descartável. Há ali uma oportunidade desperdiçada de discutir memória, culpa, ou o legado do horror. O passado é usado como enfeite, e não como substância.

A tentativa de vincular o filme ao universo do original é conduzida por gestos pouco sutis — retratos de personagens antigos nas paredes, menções episódicas, ambientações reconhecíveis. São referências que pretendem evocar o clima do primeiro filme, mas apenas expõem o abismo que separa os dois. Se Spike Lee arquitetou uma narrativa labiríntica e carregada de subtexto, Most Wanted opera como uma linha reta, sem desvios ou camadas, onde cada cena cumpre uma função pré-determinada. A encenação do assalto, por exemplo, abandona a ambiguidade moral que dava complexidade ao original e se limita ao jogo binário entre força policial e criminosos sofisticados.

Há um esforço visível para manter o espectador em alerta: cortes bruscos, montagem frenética, alternância entre flashbacks e o tempo presente. Mas essa energia formal não encontra um propósito claro, e o excesso de velocidade acaba substituindo o aprofundamento. Tudo parece acontecer depressa demais, como se o próprio filme estivesse ansioso para terminar. As escolhas visuais — closes insistentes, diálogos truncados, planos agitados — soam mais como tentativas de mascarar a falta de densidade do que como recursos expressivos. A estética da urgência, nesse caso, revela o temor da monotonia, não uma proposta narrativa consistente.

Entre os atores, Aml Ameen tenta compensar os tropeços do roteiro com uma performance cheia de entusiasmo, que por vezes se aproxima do caricato. Ainda assim, sua presença dá alguma vida ao conjunto, funcionando como válvula de escape para a rigidez da trama. Rhea Seehorn, por outro lado, encarna a função de contraponto com sobriedade, mas não recebe material suficiente para transcender o papel de suporte. O elenco de apoio é irregular: os assaltantes, embora inseridos em subtramas promissoras, permanecem presos a arquétipos, e o uso constante de máscaras, além de comprometer a expressividade, dilui qualquer possibilidade de vínculo emocional com o público.

Se existe um mérito a ser atribuído ao filme, talvez esteja na honestidade com que assume seu lugar: não quer ser memorável, apenas funcional. Nesse sentido, entrega um suspense que, embora raso, evita o desastre. Para um público descompromissado, que não carrega expectativas ou familiaridade com o longa de 2006, a experiência pode ser suficiente. Há aqui ecos de séries procedurais, reviravoltas previsíveis e uma estrutura que se mantém coesa dentro de seus limites. Mas, para quem conheceu o jogo engenhoso orquestrado por Spike Lee, o novo filme soa como uma tentativa tímida de replicar uma fórmula sem compreender seu espírito.

“O Plano Perfeito 2” não falha por incompetência, mas por modéstia. É um filme que escolhe a segurança no lugar da ousadia, que prefere seguir o roteiro do entretenimento passageiro a explorar zonas mais incômodas ou provocativas. A sensação que fica é a de um projeto que jamais ousou ser mais do que um exercício funcional — uma engrenagem que gira com precisão mecânica, mas sem qualquer faísca criativa. A sombra de seu antecessor não o persegue: apenas o relembra, o tempo todo, do que ele nunca tentou ser.

Filme: O Plano Perfeito
Diretor: M.J. Bassett
Ano: 2019
Gênero: Ação/Crime/Thriller
Avaliação: 7/10 1 1
★★★★★★★★★★