Mirisola

A biblioteca do diabo

A biblioteca do diabo

A regra para permanecer na minha prateleira — reparei nisso depois de quase 35 anos — a regra sempre foi a cor da pele, a truculência, o machismo e a misoginia. Devo agradecer, em primeiríssimo lugar, à tia Regina Dalcastagne da UNB, depois aos jurados dos concursos e curadores de feiras literárias, e aos coletivos de literatura das periferias, especialmente aos organizadores da Flup (festa literária das periferias) por me alertarem sobre esse lapso, ou melhor, para minha falta de caráter: pois nunca suspeitei que minha biblioteca podia ser estruturalmente machista e racista. Bem, nunca é tarde para mandar Graciliano Ramos para o lixo, autor declaradamente homofóbico e racista.

Orwell versus Mãe Dinah

Orwell versus Mãe Dinah

Vivemos tempos de muita demagogia, falsos engajamentos e marketing tresloucado. De modo que o que se vende e o que se consome em todas as frentes — salvo as exceções de praxe — são oportunidades de negócios, tudo em nome da arte e da igualdade, como se uma coisa tivesse ligação com a outra. Portanto, além da questão das misérias que somente fizeram se agravar nas últimas décadas, também a alma humana definhou, perdemos em liberdade e individualidade: essas duas forças que juntas poderiam ser chamadas George Orwell — o homem que investiu bravamente contra os totalitarismos de sua época.

O Nelson Rodrigues japonês, só que masoquista

O Nelson Rodrigues japonês, só que masoquista

Queria falar de Junichiro Tanizaki como alguém que vislumbrou um bem-querer em meio ao caos. Não é minha intenção, aqui, tomar um distanciamento crítico nem escrever uma resenha ou algo que o valha. O que desejo é reafirmar a identidade que somente um leitor apaixonado pode ter com os livros que lhe tocaram, já falei disso numa crônica recente publicada na Bula.

Cão come cão*

Cão come cão*

Eu tive inveja dos adultos, muita inveja, e muito medo. Não conseguia me comunicar com eles, e criei uma identidade rancorosa que foi meu escudo e minha desgraça, tinha inveja do charme dos adultos e da lubricidade deles. Então fui ficando mudo, dentuço e esquisito, minhas pernas cresceram em desproporção ao tronco, e junto vieram as olheiras. Uma cegonha com adejos de morcego, mais as bochechas inchadas. Era a alma travada que dava as caras. Foi nessa época que a inveja me envergou.

Vade retro século 20

Vade retro século 20

Anteontem participei de uma “performance” no Largo da Batata. A garota defecava defronte à Igreja de Nossa Senhora do Monte Serrat, e comia o próprio cocô. Depois oferecia beijos à plateia. Aceitei. E a beijei. Tinha mau-hálito. Depois do beijo, me dirigi aos curiosos, e proclamei: “Tem mau-hálito”.