Graça Taguti

Ser a outra não é para qualquer uma

Ser a outra não é para qualquer uma

A outra costuma andar deslizando. Coleante e tortuosa como uma cobra. E chega com um breve silvo, se insinuando à meia luz na vida de um homem qualquer. Muitas vezes se veste de vermelho. Embora tenha veias hirtas, corre nelas um sangue quase espumoso, de um vermelho sacrílego, que trafega nos interstícios desse corpo. Ela até nos faz recordar daquele ditado sobre a inveja. Um prato que se come frio e que está sempre ali disposto à serventia.

Pequena bula de como viver na pressa, com paz e muita ginga

Pequena bula de como viver na pressa, com paz e muita ginga

Hei essa proposição aí de cima é meio que absurda, né. Porque hoje — sem climas de sadomasoquismo, explicando logo de saída — a gente passa os dias inteiros chicoteados pelo tempo. A maldição dos segundos. Que jamais param nem pra respirar. Ou mesmo tomar uma água. Droga. Tempo, tempo, tempo, tempo, até a música clama. O fato é: não conseguimos, até o momento desarmar essas engrenagens confusas dos relógios da nossa existência, que bebem energéticos gasosos continuamente. E rodam em círculos, martelando as nossas atividades e tarefas, como filme de terror, na pressão. E na moral. Ninguém discute os domínios do tempo.

“Sem tesão não há solução”

“Sem tesão não há solução”

No final dos anos 80, quando muitos dos futuros leitores da Revista Bula ainda não tinham nascido, um irrequieto psiquiatra, Roberto Freire, nadando por rios primitivos do imaginário — e posicionando-se contra a corrente de hábitos carcomidos, assumiu pensar fora da caixa do social. Atirou ao lixo os restos de discursos terapêuticos mascarados, acolchoados em bolsas de gelo verbal. Quebrou as plácidas e acomodatícias normas do bem viver.

É muito fácil vender a mãe

É muito fácil vender a mãe

De certa forma vender a mãe é como repassar a alma ao diabo. Os sentidos são múltiplos. Não ter escrúpulos, ser íntimo do cinismo, fazer conchavos com a dissimulação, trair a confiança dos que algum dia já foram importantes pra nós, torpedear aquilo que em outros séculos se convencionou chamar de caráter, vergonha, pudor e variações de termos afiliados. Normalmente, quem vende a mãe se comporta  de acordo com as conveniências. Já enterrou os ideais remanescentes do outro lado do rio. Atirou os sonhos no lixo faz tempo, porque a grande meta de sua existência consiste, aliás, em não perder tempo com o que não vale a pena.