Autor: Revista Bula

Ela foi o rosto dourado da geração saúde. Aos 35, morreu numa UTI em silêncio. A TV já gravava o próximo capítulo

Ela foi o rosto dourado da geração saúde. Aos 35, morreu numa UTI em silêncio. A TV já gravava o próximo capítulo

A luz do estúdio é branca e impiedosa, mas o rosto dela não parece se intimidar. No cenário de hospital, o figurino de enfermeira cai sobre o corpo leve, o crachá se move quando ela ri de algo que ninguém mais vai ouvir. Entre uma marcação e outra, Cláudia Magno conversa com alguém fora de quadro, ajeita o cabelo, respira fundo, volta ao eixo. A claquete bate, o silêncio se impõe, o sorriso muda de temperatura e a câmera se aproxima.

Vendido pelo próprio pai. Libertou mais de 500 pessoas. E o Brasil tentou apagá-lo da memória

Vendido pelo próprio pai. Libertou mais de 500 pessoas. E o Brasil tentou apagá-lo da memória

Na corte do Império brasileiro, um ex-escravizado negro ergueu papéis gastos e confrontou a toga e o sórdido silêncio da lei. Luís Gonzaga Pinto da Gama, filho de mãe liberta, vendido ilegalmente e alfabetizado tarde, tornou-se advogado autodidata e genial jornalista. Atravessou o sistema escravista com a lei na mão, libertou mais de quinhentos cativos, tornou-se símbolo de resistência. Hoje, sua voz ainda ecoa: o Brasil que imaginamos precisa reconhecer os heróis que a história oficial quis ocultar.

Campos de Carvalho: o homem que riu por último. O escritor que ensinou o delírio a pensar

Campos de Carvalho: o homem que riu por último. O escritor que ensinou o delírio a pensar

Entre o ofício diário e a desobediência da palavra existe um intervalo fértil, região de autores que preferem a fresta ao alarde. No Brasil do século 20, com modernização rápida, censuras e entusiasmos, uma voz escolheu ironia seca e absurdo rigoroso para desmanchar certezas respeitadas. A leitura provoca riso inquieto; a imaginação recusa arranjos fáceis e exige atenção. No centro desse gesto está um autor de obra breve e resistente, mantida por debates críticos, reedições e descobertas tardias, sempre à margem de modismos e pressões de ocasião.

José J. Veiga. O escritor que morreu duas vezes. O cânone o esqueceu. Os leitores o trouxeram de volta

José J. Veiga. O escritor que morreu duas vezes. O cânone o esqueceu. Os leitores o trouxeram de volta

Nasceu em 1915, entre Corumbá de Goiás e Pirenópolis, em Goiás; aprendeu o ofício em rádios e redações, antes de seguir para Londres, onde, de 1945 a 1949, falou ao Brasil pela BBC. Regressou, editou revista popular, cortou frases, ouviu a rua. Preferiu a discrição ao alarde, publicou tarde, manteve ritmo baixo. Em 1997, recebeu o Machado de Assis. Morreu no Rio de Janeiro, em 1999. Ficou a figura do homem atento: voz baixa e trabalho persistente que evitavam palco.

Morreu aos 24. Mas ensinou um país escravizado a ouvir a própria dor

Morreu aos 24. Mas ensinou um país escravizado a ouvir a própria dor

Uma vida breve acende um horizonte inteiro: quando a língua pública encontra sua hora, a juventude vira trabalho coletivo e um país ainda erguido sobre trabalho escravizado passa a ouvir a própria consciência em voz alta. Entre Bahia, Recife e São Paulo, oratória e poesia se confundem em convocação. O corpo cobra pedágio da língua, mas não a interrompe. A morte chega cedo, e mesmo assim a repercussão perdura em escolas, praças, jornais e cenas de hoje, onde versos antigos seguem escavando espaço para o ar que faltava.