Autor: Revista Bula

De uma aldeia na Ucrânia ao quarto de pensão no Rio: ela enterrou a mãe, criou um filho doente e mudou a literatura brasileira Acervo / IMS

De uma aldeia na Ucrânia ao quarto de pensão no Rio: ela enterrou a mãe, criou um filho doente e mudou a literatura brasileira

A luz do estúdio é reta, quase clínica. A câmera avança até encontrar uma mulher de rosto exausto, cabelos presos sem rigor, cigarro entre dedos que tremem de leve. Ela responde devagar, o olhar se desvia por um segundo para fora do quadro, como se algo atrás da lente a chamasse. A voz é baixa, áspera, arrasta vogais, esconde o riso. Fala de infância, de escrita, do desconforto de estar ali.

A mulher que atravessou ditaduras, censura, amores e uma doença implacável até desaparecer em silêncio: Tônia Carrero

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No alto de um prédio perto do mar, a cidade continua a girar, carros, buzinas, televisores acesos na sala dos vizinhos. Naquele apartamento, porém, o tempo corre em outra escala. A porta ainda recebe flores trazidas por motoristas apressados, bilhetes escritos à caneta, convites para estreias que já não terão resposta. Lá dentro, a luz cai macia sobre quadros envelhecidos e fotografias emolduradas que repetem o mesmo rosto em décadas diferentes.

Ela foi o rosto dourado da geração saúde. Aos 35, morreu numa UTI em silêncio. A TV já gravava o próximo capítulo

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A luz do estúdio é branca e impiedosa, mas o rosto dela não parece se intimidar. No cenário de hospital, o figurino de enfermeira cai sobre o corpo leve, o crachá se move quando ela ri de algo que ninguém mais vai ouvir. Entre uma marcação e outra, Cláudia Magno conversa com alguém fora de quadro, ajeita o cabelo, respira fundo, volta ao eixo. A claquete bate, o silêncio se impõe, o sorriso muda de temperatura e a câmera se aproxima.

Vendido pelo próprio pai. Libertou mais de 500 pessoas. E o Brasil tentou apagá-lo da memória

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Na corte do Império brasileiro, um ex-escravizado negro ergueu papéis gastos e confrontou a toga e o sórdido silêncio da lei. Luís Gonzaga Pinto da Gama, filho de mãe liberta, vendido ilegalmente e alfabetizado tarde, tornou-se advogado autodidata e genial jornalista. Atravessou o sistema escravista com a lei na mão, libertou mais de quinhentos cativos, tornou-se símbolo de resistência. Hoje, sua voz ainda ecoa: o Brasil que imaginamos precisa reconhecer os heróis que a história oficial quis ocultar.

Campos de Carvalho: o homem que riu por último. O escritor que ensinou o delírio a pensar

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Entre o ofício diário e a desobediência da palavra existe um intervalo fértil, região de autores que preferem a fresta ao alarde. No Brasil do século 20, com modernização rápida, censuras e entusiasmos, uma voz escolheu ironia seca e absurdo rigoroso para desmanchar certezas respeitadas. A leitura provoca riso inquieto; a imaginação recusa arranjos fáceis e exige atenção. No centro desse gesto está um autor de obra breve e resistente, mantida por debates críticos, reedições e descobertas tardias, sempre à margem de modismos e pressões de ocasião.