Autor: Eberth Vêncio

Você é livre?

Um dia ainda vou morar numa casa à prova de medos. Será um casebre de pavimento único edificado com madeira pedra e tempo de sobra. As horas sofrerão de ansiedade enquanto eu rio e deságuo. E por falar em doce vingança serei despertado logo de manhã pelos pingos de uma rápida chuva de verão que vai tilintar dentro de um prato-esmaltado-que-se-come-frio esquecido propositadamente do lado de fora.

Eu não sei viver de outro jeito, a não ser desse jeito

Eu não sei viver de outro jeito, a não ser desse jeito

Voilá, mundo cruel! Eu te amo. Eu te odeio. Essa bipolaridade é de matar, mas acontece que eu não sei viver de outro jeito, a não ser desse jeito. Não te sintas tão seguro assim. Não pretendo saltar de uma ponte. Aliás, desde que me tornei adulto, as pontes é que andam a saltar de mim. Tá uma febre. Os dilemas são tão intoleráveis que nem vergalhões e concreto sustentam.

Só para mulheres que consintam em apanhar com uma flor

Só para mulheres que consintam em apanhar com uma flor

Se eu fosse mulher, não paria nem mais um canalha. Se eu fosse mulher, voava, não gastava tempo explicando para os homens que lugar de sonho é na cozinha dos que possuem asas. Se eu fosse mulher, baixava o nível e trocava de mal com o Altíssimo por não ter concedido às fêmeas o privilégio de dar à luz cantando. Se eu fosse mulher, reivindicava nascer passarinho na próxima fornada. Se eu fosse Deus, me redimia e aceitava correndo.

A tristeza é uma fome que nos come por dentro

A tristeza é uma fome que nos come por dentro. É a chuva ácida. Um velho ácido inundado de lembranças. A tristeza é uma noite de domingo. É um cavalo sem expectativas a dormitar na sombra. Uma mente brilhante com medo do escuro. A tristeza é uma casa vazia cujas vozes saíram pra comprar cigarros e nunca mais voltaram. É um trator a demolir as memórias de um prédio. Tomar pílulas para aplacar a histeria e o tédio. A tristeza é encontrar uma carta que andava sumida. É o excesso de passado. Passar a noite inteira a perseguir um sonho. A tristeza é cair na real.

A vida é dura como um osso, mas tem lá o seu sabor

A vida é dura como um osso, mas tem lá o seu sabor

Vocês sabem, os cães são criaturas perspicazes, mas, a despeito do que muita gente imagina, eles não entendem tudo o que um ser humano fala e sente. Não. Não é bem assim. Nem a gente mesmo compreende os redemoinhos que esvoaçam por dentro, quem dirá, o adorável melhor amigo de um homem. Pior: ali nos encontrávamos, uns perdidos comendo pizza sob a luz do luar, enquanto arquitetávamos o que fazer para que ele reencontrasse a sua casa, o seu dono, o seu próprio capacho de dilemas. Pena que o bicho refugasse o chope que despejei na concha da mão para que ele lambesse. Ele não lambeu; eu, sim. Parecia um cachorro decente com histórias mais interessantes que a maioria dos homens com os quais eu andava tratando nos últimos dias.