No curso de nossas trajetórias, há momentos inevitáveis em que o ritmo frenético do cotidiano nos obriga a pausar, avaliar escolhas e enfrentar as consequências de nossas ações. Nesses instantes de reflexão, surgem verdades incômodas e dilemas internos que demandam coragem para serem encarados. A narrativa de “Polar”, dirigida por Jonas Åkerlund e baseada na graphic novel “Polar: Came from the Cold”, de Víctor Santos, explora precisamente essa tensão entre passado, presente e as contas que a vida apresenta sem aviso prévio.
O filme nos apresenta Duncan Vizla, interpretado magistralmente por Mads Mikkelsen, um assassino profissional prestes a se aposentar. Diferente de outros protagonistas do gênero, Vizla não está em busca de redenção; ele simplesmente deseja desaparecer. A organização criminosa para a qual trabalhou, liderada pelo sórdido Blut (Matt Lucas), possui uma política cruel: eliminar matadores ao alcançarem os cinquenta anos, evitando custos futuros com aposentadorias e problemas de saúde. Contudo, o que era para ser uma retirada tranquila transforma-se em um jogo mortal, à medida que Blut decide enviar um grupo de jovens assassinos liderados pela implacável Vivian (Katheryn Winnick) para eliminar Vizla e reter a fortuna que lhe é devida.
Diferente do que seus algozes esperavam, Vizla demonstra que sua experiência e astúcia são mais do que suficientes para virar o jogo. Cada confronto é uma demonstração brutal de sua habilidade, culminando em uma trama onde o protagonista não só sobrevive, mas também expõe a ganância e a fragilidade de seus inimigos. Após garantir sua independência com uma última transação milionária, Vizla se refugia em Triple Oak, uma cidadezinha em Montana, aparentemente distante do caos que o definiu. Lá, ele conhece Camille (Vanessa Hudgens), uma vizinha misteriosa que parece representar uma promessa de normalidade e conexão humana. Contudo, à medida que a relação se desenvolve, surgem revelações que complicam ainda mais a vida do protagonista, culminando em uma reviravolta surpreendente.
A direção de Åkerlund aposta em uma mistura ousada de estilos. A cinematografia de Pär M. Ekberg evita os clichês sombrios do gênero, optando por um visual vibrante e saturado que reflete tanto o caos interno de Vizla quanto a intensidade de suas batalhas. Em meio ao gore e à violência estilizada, a interpretação de Mikkelsen confere ao personagem uma profundidade emocional rara, equilibrando brutalidade e vulnerabilidade. A trama, apesar de beber de fontes conhecidas — como o clichê do assassino traído que busca vingança —, surpreende pelo modo como Åkerlund e o roteirista Jayson Rothwell subvertem expectativas, criando momentos genuinamente imprevisíveis.
Outro ponto alto do filme é a participação especial de Richard Dreyfuss, cuja aparição, embora breve, adiciona uma camada de complexidade ao enredo. Seu personagem funciona como uma ponte entre o passado de Vizla e as consequências do presente, reforçando o tema central do filme: a impossibilidade de escapar completamente das escolhas feitas ao longo da vida.
“Polar” não se propõe a ser um dos grandes marcos do cinema de ação, mas sua audácia em mesclar elementos tão distintos — da estética quase cartunesca à carga emocional intensa — faz dele uma experiência singular. Não é apenas uma história de vingança; é uma reflexão estilizada sobre envelhecimento, traição e a busca por um significado em meio ao caos. Com atuações marcantes, uma direção visual ousada e uma narrativa que desafia expectativas, “Polar” merece ser visto como mais do que um simples thriller: é uma celebração estilística que encontra beleza até mesmo em sua violência mais crua.
★★★★★★★★★★