Emmett Louis Till (1941-1955) era só um garoto de Chicago vaidoso e chegado a travessuras aos catorze anos. Sua mãe, Mamie Till-Mobley (1921-2003), o ensinara a ser gentil com todos e subserviente com os brancos, como faziam quase todas as mães de filhos pretos da América, e, assim mesmo, todo esse cuidado, toda essa humilhação, não foram o bastante para que Bo, como Mamie o chamava, escapasse do linchamento por dois caucasianos e três homens de cor, segundo o jargão da época, durante o qual teve boa parte dos ossos fraturados, perdeu todos os dentes e levou um tiro de rifle na cabeça, vindo a morrer minutos depois.
“Till — A Busca por Justiça” esmiúça a história dessa mulher corajosa antes e depois do episódio mais sombrio de sua vida, reservando um espaço generoso para que esses dois personagens conquistem a empatia e a solidariedade do público, incrédulo com o que assiste. A diretora Chinonye Chukwu e os corroteiristas Keith Beauchamp e Michael Reilly apresentam uma Mamie antes e depois da tragédia, esforçando-se por achar algo que una essas duas facetas de um espírito que se despedaça, mas nunca esmorece, embora não veja raiar o dia em que sua sede por reparação seria, enfim, saciada.
Bo e Mamie estão sempre juntos — e assim permanecem quando acontece o pior. Na sequência de abertura, os dois voltam para casa a bordo de um vistoso Cadillac, cantando em uníssono uma canção romântica, até que a cena corta para a sala da família, onde ele, sozinho, arremeda os dizeres de um comercial de achocolatado, para orgulho de Gene, o noivo da mãe, e Alma, a avó materna. Chukwu se vale desse pequeno núcleo para reforçar a ideia de aconchego, uma constante na vida do garoto até então, rodeado de harmonia e conforto numa casa ampla, com um quarto só seu.
Um poucos deslizes de Chukwu, Beauchamp e Reilly é a falta de explicações sobre a vida de Mamie para além do recolhimento doméstico, com os personagens de Sean Patrick Thomas e Whoopi Goldberg; ela parece ter uma carreira sólida numa autarquia qualquer, o que lhe confere a possibilidade de cercar o filho de luxos (e, sim, mimos), argumento que a diretora dá a impressão de esquecer de propósito, talvez por medo de que algum lunático encontrasse nisso alguma razão para o suplício de Bo. A viagem do rapaz para Money, cidadezinha de um Mississíppi ainda em plena segregação racial, sozinho, não deixa de ser um agrado (descabido) de uma mãe sempre ansiosa por fazer as vontades do filho único, cujo pai morrera como herói na Segunda Guerra Mundial (1939-1945). E, de novo: isso não pode ser tomado por resposta para coisa alguma.
Nessa outra metade de “Till”, o filme mergulha fundo na dor de Mamie, que se despede do filho na plataforma ferroviária pela última vez, recebe dele um beijo rápido e fica apenas com o relógio de lembrança, momento em que Jalyn Hall e Danielle Deadwyler capturam todas as atenções. Um episódio banal, como sói acontecer, entre Bo e Carolyn Bryant (1934-2023), a caixa da mercearia da avenida central de Money, é o bastante para o desastre. Bryant, uma mulher branca, acusa o garoto de tê-la tentado estuprar, e, a partir dessa virada, Chukwu elabora hipóteses que ela mesma descarta, acerca da possível culpa da vítima.
O que fica é a certeza de que o testemunho da moça (falso, como se constata anos depois) tem valor por ser ela branca e o suposto agressor, preto — além, claro, das imagens do corpo e do rosto desfigurado de Bo, outra questão que, à boca miúda, trabalharam contra Mamie. Pouco mudou nos Estados Unidos de George Floyd (1973-2020) e Breonna Taylor (1994-2020) desde aquele 28 de agosto de 1955. O presidente Joe Biden sancionou uma tal Lei Antilinchamento que leva o nome de Emmett Till, em 29 de março de 2022, 67 anos depois de sua morte bárbara, mas os assassinos, mesmo depois de confessarem a autoria do homicídio à “Look Magazine”, nunca dormiram um único dia na cadeia, bem como Bryant, que nunca foi processada por perjúrio. Mamie Till-Mobley morreu em 6 de janeiro de 2003. Seu nome figura no panteão das mulheres e homens que devotaram a vida pela igualdade racial nos Estados Unidos, inaugurado por Frederick Douglass (1818-1895).
Filme: Till — A Busca Por Justiça
Direção: Chinonye Chukwu
Ano: 2022
Gênero: Drama
Nota: 9/10