Inspirado em obra imortal de Hitchcock, suspense de dar calafrios acaba de chegar à Netflix Divulgação / Paramount Pictures

Inspirado em obra imortal de Hitchcock, suspense de dar calafrios acaba de chegar à Netflix

Por trás das paredes das casas dos subúrbios americanos passam-se os crimes mais horrendos, como se sabe pelo noticiário local das grandes redes de televisão dos Estados Unidos. Toda semana há equipes de reportagem deslocando-se para perto dos insuspeitos jardins dessas propriedades de bom padrão, ávidas por trazer ao respeitável público qualquer detalhe que ajude a esclarecer o assassinato de filhos por mães fora de controle, ou vice-versa; maridos que degolam suas esposas e as enterram no quintal; mulheres que não aguentam mais apanhar de seus companheiros e derramam-lhes uma panela de água fervente em cima, e nesse espetáculo medonho, a cultura pop, claro, pinta e borda.

Poucos diretores na história do cinema tiraram tão bom proveito de episódios dessa natureza como Alfred Hitchcock (1899-1980), e é óbvia a inspiração de “Paranoia” no “Janela Indiscreta” (1954) do Mestre do Suspense. O filme de D.J. Caruso, no entanto, não se conforma em ser apenas uma cópia bem-feita do que de melhor o gênio de Hitchcock produziu. O roteiro de Carl Ellsworth e Christopher Landon se vale de um recurso bastante específico para correr por suas próprias pernas, fazendo para isso menção à tecnologia que nos socorre e nos estorva, aproxima-nos e isola-nos em nossos mundinhos abafados, onde damos asas a imaginação e criamos nossas realidades paralelas.

Kale Brecht está no meio de um turbilhão. O fim de semana de pescaria termina no acidente em que o pai morre, e um ano depois, ele ainda traz consigo as marcas de um trauma que pode nunca passar. Na escola, quando o professor Gutierrez, de Rene Raymond Rivera, exige que preste atenção à aula de espanhol e insinua que o finado pai decerto se ressentiria de sua displicência, ele responde desferindo um soco em Gutierrez, o que lhe rende a audiência na vara da Infância e da Juventude, onde é sentenciado a prisão domiciliar com o uso de tornozeleira eletrônica.

Esse imenso salto narrativo só não perde o filme graças à competência de Shia LaBeouf, sem dúvida um dos bons atores de sua geração. Kale precisa inventar qualquer coisa para matar o tempo, além de faxinar o próprio quarto e lavar a louça, aliviando o fardo para a mãe, Julie, na pele de uma Carrie-Anne Moss onde nada sobra nem falta.

Versátil, LaBeouf faz com que o público apoie e repreenda o temperamento do anti-herói de “Paranoia” mil vezes ao longo do enredo. Quando Caruso entra, afinal, no argumento que justifica a trama, e seus binóculos e programas sensacionalistas que falam sobre um assassino em série que roda a cidade num Mustang azul insinuam que na casa em frente se dá um crime bárbaro, o ator refina um tanto mais a insânia latente do protagonista, aplacada pelo interesse por Ashley, a outra vizinha, de Sarah Roemer, que costumava observar seminua. O deslize maior num trabalho tão meticuloso, por paradoxal que soe, remete à insistência, proposital ou involuntária, de Caruso em querer emular Hitchcock, quando LaBeouf e as entrelinhas estão obstinados em fazer de “Paranoia”, na Netflix, algo único.


Filme: Paranoia
Direção: D.J. Caruso
Ano: 2007
Gêneros: Thriller/Drama/Suspense
Nota: 8/10

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.