Humor leve e adocicado: filme na Netflix é terapia para a alma Divulgação / Revelator Productions

Humor leve e adocicado: filme na Netflix é terapia para a alma

Emily Martin tinha sete anos quando fez alguém rir sobre um palco. Era uma confraternização de fim de ano dos alunos da primeira série, e ela, encarnando uma simpática vaquinha, disse a fala que tratou de decorar com toda a atenção de seu pequeno cérebro, provocando as gargalhadas pelas quais não estava esperando.

O tempo, como infelizmente acontece, passa e com ele se vão as ilusões de que a vida será aquela moleza com que quase sempre regala-nos a infância, e Emily, uma mulher feita, continua talentosa e distribuindo graça, mas sofrendo das tantas dificuldades de conseguir viver do jeito que acha que merece, ao passo que também experimenta dores novas e cruéis.

Esse torvelinho de emoções define boa parte de “Mr. Roosevelt”, a história de Emily e dos tipos impagáveis que cercam-na, a começar pelo gato que dá nome ao filme dirigido e estrelado por Noël Wells, uma comediante sofisticada que sabe tirar beleza de situações que passariam em branco para olhos leigos. Em seu roteiro, Wells compõe um mosaico pleno de formas e gente de feitios os mais diversos, falando de luto pelos mortos e pelos vivos com espaço o bastante para tristeza e júbilo, reflexão e movimento.

Emily continua tentando. Ao contrário de sua intérprete, ela não se julga uma artista, embora frequente clubes de improviso em Los Angeles e se interesse pela cena humorística da Cidade dos Anjos — mais pelos bastidores do que pelo vai a público, é verdade. Um vídeo seu no YouTube rendeu milhões de acessos, e mesmo assim ela não ganhou um centavo. Ainda na introdução, uma sequência hilária deixa claro que a moça pode longe, indo de Holly Hunter a

Kristen Wiig em questão de segundos, mas o diretor de elenco do espetáculo para o qual se candidata não se impressiona. Suas lembranças de Austin, de onde saiu mais por um reflexo do que por uma vontade pensada em todos os seus detalhes, tornam-se cada vez mais presentes, e aos poucos, Wells vai dando ao espectador as pistas de que sua anti-heroína definitivamente não está nos seus melhores dias. Quando Eric, o namorado vivido por Nick Thune, liga avisando que Mr. Roosevelt gastou seu sétimo cartucho, ela não pensa duas vezes e reserva o primeiro voo.

A partir daí, a diretora-roteirista leva Emily às dimensões de si que ela própria não conhecia. A impressão que se tem é que ela imaginava que o mundo pararia no instante em que deixara a cidade natal, que voltaria e tudo poderia começar igualzinho como tinha em seus planos. Eric, claro, não esperou por ela, e não contava que a agora ex-parceira fosse quer ficar na casa onde moraram juntos.

Emily é uma mulher sem malícia, quiçá a mesma criança que tirou risos de uma plateia de adultos há mais de vinte anos, mas que tem de aprender a se comportar de acordo com o que outras mulheres e homens querem. Wells explora essa perigosa dicotomia emocional de Emily sob todos os ângulos, deixando para o desfecho a redenção dessa adorável maldita, ajudada por Jen Morales, a nova amiga sincerona da ótima Daniella Pineda. Eis um filme sobre gente grande para gente grande.


Filme: Mr. Roosevelt
Direção: Noël Wells
Ano: 2017
Gêneros: Comédia
Nota: 9/10

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.