O filme com Julia Roberts, na Netflix, para você rir e curtir abraçadinho com sua mãe Ron Batzdorff / Open Road Films

O filme com Julia Roberts, na Netflix, para você rir e curtir abraçadinho com sua mãe

Pelo que se assiste em “O Maior Amor do Mundo”, mães anseiam por se libertar de filhos — ou pelo menos do que eles passam a significar para o cotidiano da família —, e isso não vem a ser nenhuma tragédia. Garry Marshall (1934-2016) foi se especializando em traçar o perfil de adultos e seus traumas, quiçá meio embaraçados com sua suposta maturidade, e se despede do cinema e da vida com um trabalho destacadamente irregular, mas empático, onde analisa com a ternura que tão bem o caracterizava dificuldades reais de gente comum quanto a reconhecer-se fria, intolerante, estúpida, e em que grau a maternidade (e a paternidade) fazem parte disso.

Do roteiro de Marshall e um quarteto de colaboradores tira-se que há de sempre valer a máxima tolstoiana que avisa sobre a parecença entre lares felizes e a exclusividade das tragédias, grandes ou pequenas, restando a cada um decidir como vai lidar com os rancores convictos daqueles que, em geral, podem contar com o acolhimento de quem odeiam.

Com o fim do casamento com Henry, Sandy, uma linda mulher de meia-idade, passa a curtir a vida adoidado, até o ex-marido interpretado por Timothy Olyphant decide que é hora de se refazer e casa-se com Tina, de Shay Mitchell, muito mais nova. Ela é autoconfiante (e orgulhosa) demais para admitir que está se mordendo de ciúmes — e talvez de despeito —, mas o buraco aqui é mais fundo: Sandy tem é pavor que os filhos passem a gostar mais da moça do que dela, um risco cada vez mais concreto se insistir nessa bobagem.

A performance de Jennifer Aniston reveste de tal brilho que empana os outros tantos atores de um elenco recheado de estrelas, inclusive a musa marshalliana por excelência. Julia Roberts parece ter sido convocada para cobrir uma desistência imprevista, quebrando o galho do padrinho, mas o truque não surte efeito.Miranda Collins, postulante a celebridade da televisão e expoente da hora da literatura de aeroporto, não se arrepende de ter se afastado da filha em nome da carreira, até que, como acontece com uma constrangedora frequência, o destino pespega-lhe a traulitada que a desorienta.

Kristin, a personagem de Britt Robertson, está determinada a rever a mãe, e um segundo enjeitamento, dessa vez calculado, poderia respingar nos planos de Miranda, com as consequências desastrosas que minariam suas chances de dominar o show business e o mercado editorial num único movimento: a potencial capitalização do episódio para seus objetivos comerciais é o que a leva a ficar diabolicamente inclinada a confirmar o reencontro.

A necessidade de entreter a todo custo, vertente do cinema de que Marshall era um dos representantes mais bem-resolvidos em Hollywood, compromete bastante o filme. A medonha peruca chanel acobreada e com franja de Roberts serviria de vigorosa figura de linguagem para que o diretor avançasse sobre a falsidade e o perigo inerentes as relações mandatórias, mas Marshall deixa que a oportunidade lhe fuja.

Mães estão longe de serem perfeitas e, assim, o longa, a começar pelo título, só funciona se enxergado à luz da ironia. A intenção de ser abrangente, a propósito, é outro grande entrave em “O Maior Amor do Mundo”. Seu desejo de abolir a falsa certeza de que mães e pais não erram nunca, malgrado jamais deixe de haver quem cerre os olhos a essa verdade espinhosa, restaria muito mais claro se tivesse optado por aprofundar-se num núcleo só.


Filme: O Maior Amor do Mundo
Direção: Garry Marshall
Ano: 2016
Gêneros: Romance/Comédia
Nota: 7/10

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.