O filme eletrizante da Netflix que se tornou o mais assistido da história do cinema espanhol Emilio Pareda / Netflix

O filme eletrizante da Netflix que se tornou o mais assistido da história do cinema espanhol

De acordo com o sociólogo francês Émile Durkheim, que viveu entre 1858 e 1917, o suicídio é uma questão central na existência humana devido à sua profundidade sob óticas sociológica, metafísica e religiosa. Evitar esse destino extremo, permanecendo neste mundo para enfrentar os numerosos desafios existenciais, superando as nossas limitações e transformando-as em algo que, mesmo não sendo exatamente uma virtude, nos liberta da armadilha da autopiedade e das emoções contidas, é, segundo Durkheim, cumprir grande parte da nossa missão na vida. Para Mía, a personagem principal do filme “Destinos à Deriva”, o pensamento de tirar a própria vida é inexistente, pela mais nobre das razões. Albert Pintó, cineasta catalão, narra esse drama com uma veia humanitária e incorpora a pulsão de vida de Freud de maneira visceral, relembrando também célebres produções cinematográficas que periodicamente retomam esse tema.

Durante 109 minutos de filme, há alusões a várias obras conhecidas como “Náufrago” (2000), dirigido por Robert Zemeckis; “127 Horas” (2010), uma criação de Danny Boyle; “Gravidade” (2013), conduzido por Alfonso Cuarón; “Águas Rasas” (2016), de Jaume Collet-Serra; e “Solo” (2020), por Hugo Stuven, sendo este último o que mais se assemelha ao estilo de Pintó. Desde o início, o diretor impregna a narrativa com uma carga sociológica marcante, de tal modo que o segmento inicial parece se destacar do restante do filme, uma dualidade que pode ser percebida tanto como falha quanto como atributo. Adicionalmente, o primeiro ato explora um período de escassez aguda em uma Espanha atemporal. Por sete meses, os cidadãos enfrentam o plano “Não Tem para Todo Mundo”, que visa combater a escassez de recursos essenciais como alimento, água potável, energia e petróleo. Este regime mostra sinais de sucesso, deixando o país ainda incapacitado de auxiliar seus cidadãos mais necessitados. Mía, interpretada por Anna Castillo, e seu companheiro Nico, papel de Tamar Novas, tentam desesperadamente escapar dessa realidade. A trama segue o casal enquanto navegam pelas sombras de um cais à noite, até encontrarem a embarcação que os transportará para um futuro incerto. Durante sua fuga, são forçados a entregar suas alianças após um aumento súbito nos custos imposto pelo contrabandista.

Eles se juntam a outros tantos emigrantes em contêineres, separados um do outro, conscientes de que o acaso determinará seu destino. Pintó conduz a história através dessas incertezas. Um acontecimento inesperado os lança ao mar, dando início ao filme dentro do filme. Castillo domina a cena, criando um novo mundo onde recipientes de plástico são estrategicamente usados para estabilizar o ambiente marítimo e, simultaneamente, para guardar mensagens de socorro escritas com uma caneta resistente à água. Embora seja válido apontar certas incongruências lógicas em “Destinos à Deriva”, os excessos são perdoáveis devido ao desfecho planejado por Pintó, uma poderosa metáfora sobre renovação, onde o simbolismo do Gênesis prevalece sobre o Apocalipse.


Filme: Destinos à Deriva
Direção: Albert Pintó
Ano: 2023
Gêneros: Drama/Suspense
Nota: 8/10