Melhor forma de se despedir do feriado: a comédia europeia que acaba de chegar na Netflix Divulgação / BKM

Melhor forma de se despedir do feriado: a comédia europeia que acaba de chegar na Netflix

No mundo ideal, amor e dinheiro ocupariam cada qual seu próprio universo, saberiam de sua respectiva importância e jamais atrever-se-iam a cruzar o caminho um do outro, justamente por dependerem de coisas distintas para existir. Na vida como ela é, entretanto, é quase impossível que uma relação sólida consiga se manter sem a presença de assíduas transações comerciais e financeiras mais ou menos complexas, planilhas de gastos e custos, caixas que guardam notas fiscais, investimento do (pouco) que sobra, expediente que, longe de arruinar namoros longos, noivados promissores ou casamentos firmes, contribui para aumentar as chances de tudo permanecer correndo com alguma ordem, atenuando o peso do tempo.

“Me Mate, Querido”, na Netflix, amalgama esses dois componentes tão fundamentais da vida em sociedade, levando a um bem-humorado extremo a discussão sobre a interferência do vil metal no mais humano dos sentimentos. Filip Zylber tem se consolidado como um dos diretores mais operosos da Polônia hoje, malgrado seus trabalhos repisem os encontros e desencontros dos casais, que descobrem afinidades e tomam distância milhões de vezes no transcurso de uma convivência ora harmoniosa, ora plena de estorvos à felicidade dos dois, inclusive os criados por eles mesmos. No caso em tela, Zylberexplora com alguma perspicácia a falsa solução para um problema aparentemente menor, o que se materializa em lances tensos, mas também engraçados. Feito os amores verdadeiros.

A despeito das muitas incompatibilidades, Natalia e Piotr são um casal sem nada que os diferencie tanto dos outros. Ele é um obcecado por investimentos que aplica boa parte do que ganha em fundos de baixo risco, ainda que nunca tenha a intenção de resgatar o dinheiro antes da hora, ao passo que a esposa dedica toda a sua energia à agência de publicidade onde trabalha, rodeada por colegas homens, à exceção de Agata, a redatora que se tornou mais que uma parceira de campanhas de aspiradores de pó e milho em conserva, interpretada por Agnieszka Wiedlocha.

O roteiro de Hanna Węsierska refaz o filme homônimo do turco Şenol Sönmez, lançado em 2019, cedendo mais espaço às picuinhas de marido e mulher, sempre às voltas com apuros de dinheiro, até que um bilhete premiado de uma loteria meio suspeita, talvez o jogo do bicho polonês, faz com que ganhem cinco milhões de zlotys, mais de seis milhões de reais, num certo rinoceronte dourado.

A partir dessa ligeira reviravolta, o filme desdobra-se em cenas aptas a explorar outras neuras dos personagens de WeronikaKsiazkiewicz e Mateusz Banasiuk, a exemplo da perene interferência de Dagmara, a ex-namorada e hoje chefe de Piotr, com Paulina Galazka na pele de uma megera suavemente diabólica, respiro cômico na dose certa para sequências às vezes arrastadas demais. Entre um e outro ataque de nervos da personagem de Ksiazkiewicz, o diretor explica o motivo de tamanha hostilidade entre ela e o marido, uma tal apólice de seguro de vida avaliada em três milhões de zlotys, mais da metade do que ganharam juntos com o volante premiado, que Piotr fizera em nome da esposa, o que, claro, garantir-lhe-ia ficar com os bens de Natalia.

A representação física dessa nova era de bonança e fartura material dos dois se converte na urgência de acondicionar a bolada num lugar seguro: é aí que entra Bogdan, o vizinho sexagenário loiro e bronzeado à Donald Trump que, ironia das ironias, vende cofres domésticos. Como se vai ver, coincidências não se misturam a cifras multimilionárias e levam ao segundo e terceiro atos previsíveis de um enredo particularmente saboroso graças à admirável química da dupla que acaba por justificar mais uma das histórias contadas por Zylber.


Filme: Me Mate, Querido
Direção: Filip Zylber
Ano: 2024
Gêneros: Comédia
Nota: 8/10