O filme arrepiante e perturbador na Netflix que vai te fazer ter calafrios por 89 minutos Divulgação / Entertainment One

O filme arrepiante e perturbador na Netflix que vai te fazer ter calafrios por 89 minutos

Há um ponto na alma de todo homem a que ninguém consegue alcançar. Lá estão seus medos, suas neuroses mais irracionais, suas opiniões mais impublicáveis, tudo embalado numa bruma claustrofóbica na qual vaidades e outros pecados, miúdos e grandes, nunca vêm à tona.

Monstros podem ser muito mais didáticos que séculos de filosofia, mas o que não se compreende, pelo menos não com a riqueza necessária de minúcias, é de que forma podemos resistir aos inimigos que nós mesmos alimentamos, cada vez mais destemidos, ávidos por tomar o que consideram ser seu por direito, já que nosso destino parece ter deixado de nos interessar.

“Wer” guarda nas muitas entrelinhas insinuações perspicazes sobre a intimidade de cada um consigo mesmo, o que nem sempre reserva boas surpresas. Sem medo de expor seu gosto pelo assunto, William Brent Bell insere no terror de uma história cruenta pontos que evocam a reflexão de qualquer gênero de espectador, ainda que estique um tanto a corda da abjeção. Seu roteiro, escrito com Matthew Peterman, frisa a natureza bestial de um sujeito aparentemente incapaz de responder por sua conduta, mas aos poucos vai encaminhando quem assiste para a direção oposta, lançando mão de um personagem no começo quase invisível.

Pelo que apresentara em “Filha do Mal” (2012), seu longa anterior, Bell evoluiu. Henry Porter, o americano endinheirado vivido por Brian Johnson, leva a mulher, Claire, e o filho deles, Peter, para passar as férias numa cidadezinha nos arredores de Paris. Tudo vai como ouro sobre azul, até Oscar, o golden retriever da família, latir em desespero e se embrenhar na mata que ladeia o terreno.

O cachorro não volta, Peter, de Oaklee Pendergast, vai atrás dele, seguido por Henry, e na sequência os gritos de Claire sinalizam que qualquer coisa de trágico aconteceu. A edição ágil, do diretor, Robert Komatsu e Tim Mirkovich, prolonga o suspense na medida exata, e na próxima cena Claire, a única sobrevivente, aparece num leito de hospital, prestando depoimento ao detetive Klaus Pistor, de Sebastian Roché.

Quem assiste fica meio baratinado em meio à profusão de informações que já circulam em telejornais do mundo todo, numa dispensável algaravia de vozes, mas mesmo imóvel e falando apenas o essencial, Stephanie Lemelin trata de salvar as boas intenções de Bell, levando o filme para dois os atos seguintes, ocasião em que o terror aflora.

Bell trabalha o perturbador conceito de monstro mau e monstro bom, com Talan Gwynek, um colosso de 2,10 metros de altura, respondendo como acusado pelo crime, e Gavin Flemyng, um esquálido geneticista, investigando um possível caso de porfiria, a anomalia que teria transformado Gwynek num lobisomem como o dos contos medievais. Brian Scott O’Connor e Simon Quarterman protagonizam a melhor cena do longa, no desfecho, corroborando a intenção original da trama, o manjado (mas verdadeiro) “as aparências enganam”. Mas nem sempre. 


Filme: Wer
Direção: William Brent Bell
Ano: 2013
Gêneros: Terror/Mistério
Nota: 8/10

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.