Ganhador do Oscar, o filme que consagrou Matt Damon está na Netflix e vale cada milésimo de segundo do seu tempo Divulgação / Miramax

Ganhador do Oscar, o filme que consagrou Matt Damon está na Netflix e vale cada milésimo de segundo do seu tempo

Tragédias apresentam-se sob formas as mais impensáveis na vida dos homens. Grosso modo, sobreviver a um desastre de avião ou à pobreza têm pesos equivalentes, e quem o faz insurgindo-se contra os abusos de sua própria sina, bradando com todas as letras ao universo que não merece a vida que tem levado, até porque é capaz de ir muito mais longe, é duplamente vitorioso. Will Hunting, o personagem-título de “Gênio Indomável”, pertence àquela categoria de pessoas que têm de bater com a cara contra o muro até se convencerem de que não são dotadas de toda a potência que imaginavam, ou para colocá-lo abaixo de uma vez.

O filme do calejado Gus Van Sant tem muito de experimental, a começar pelo roteiro — e este é um grande atributo seu. Amigos desde Boston, cidade em que cresceram e foram maturando seu talento incomum (e onde também se passa a história), Matt Damon e Ben Affleck reciclam chavões usados, entre outros, por Peter Weir em “Sociedade dos Poetas Mortos” (1989), que, não fortuitamente, dispõe de uma notável intersecção com o longa de Van Sant. 

Começa mais uma aula numa classe avançada do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, o MIT. Os estudantes estão irrequietos como de hábito, faz um dia aprazível lá fora, Lambeau, o mestre vivido por Stellan Skarsgård, tenta manter a ordem, ordenar de algum modo a pulsão de vida que ferve diante de seus olhos, até que o tempo acaba, e sobra por ser resolvido um problema envolvendo a teoria dos grafos, que o professor levara dois anos para solucionar.

A lousa fica por apagar, e na manhã seguinte, a resposta surge como por encanto, num mural no corredor. Ninguém reivindica o crédito pela façanha, mas Will Hunting, o zelador do câmpus, revela-se um exímio enxadrista, inclusive nas partidas que joga contra Lambeau, o que nutre sua suspeita quanto ao QI privilegiado do rapaz.

Fora o óbvio trocadilho com o nome de seu anti-herói, Damon, num dos grandes papéis que foi cavando em Hollywood, dá pistas de que está disposto a dar uma guinada, mas a índole mercurial e a irresistível atração pela vida desregrada tendem a deitar tudo a perder. Ele se mete numa briga de gangues, espanca um sujeito junto com outros homens e vai preso. E não vê nada de errado nisso, de modo que qualquer um que se arvore em seu salvador corre o risco de não terminar bem. Assim mesmo, Sean McGuire, um psicólogo que fora colega de Lambeau na faculdade, consegue vencer-lhe a resistência, e nesse momento, o filme entrega-se a um giro cada vez mais vertiginoso, registro da transformação lenta e volúvel de Hunting.

Robin Williams personifica fomenta uma nova abordagem para “Gênio Indomável”, espelhando justamente a vivência de Damon e Affleck, dois garotos remediados de uma das cidades mais violentas da América, que deram a volta por cima não sem muita autorrepressão, abafando instintos antissociais e mirando o que de fato interessava.

Generoso, Affleck conforma-se com uma função de escada, meramente burocrática, e seu Chuckie Sullivan é uma prova de que o determinismo é dos conceitos mais estúpidos já criados pela mente humana. Recentemente, voltou a ganhar musculatura o postulado que rebaixa a meritocracia a um golpe de sorte do destino, seja por se nascer rico ou apenas branco, sobretudo em países nos quais a sociedade se envenena com a flagrante injustiça entre pessoas de raças distintas.“Gênio Indomável” é uma pequena contribuição do cinema a nos alertar para a insofismável verdade do livre arbítrio. Quem quer mesmo sai das sombras para os holofotes.


Filme: Gênio Indomável
Direção: Gus Van Sant
Ano: 1997
Gêneros: Thriller/Romance
Nota: 8/10