A comédia romântica da Netflix mais assistida no mundo atualmente Nicola Dove/Netflix

A comédia romântica da Netflix mais assistida no mundo atualmente

O passar dos anos fomenta o turbilhão das mudanças que nos colhem sem pena. Nesse momento, vem à tona muitas das questões que seguem nos importunando pelo resto da vida, obrigando-nos a encontrar, afinal, as feras amargas que sossegam apenas no breu de seus tugúrios, nós mesmos. Optar por um cenário em detrimento de outro, tomar determinado caminho quando mais à frente há um que parece tanto menos tortuoso, desvencilhar-se de algumas pessoas para que gente nova brilhe no horizonte, mais que necessário, é essencial; o problema é aparecerem todas ao mesmo tempo, argumento central de “As Escolhas do Amor”. A heroína do filme de Stuart McDonald rompe a fronteira que distingue garotas de mulheres e dá de cara com a gigantesca montanha, agreste e hostil, que tem de subir para tornar-se dona de sua história, livrando-se do peso morto se quiser alcançar o cume. O roteiro de Josann McGibbon liga a exagerada dedicação da moça ao trabalho à aridez no campo dos afetos — premissa sempre arriscada demais em seu reducionismo maniqueísta —, e partir daí, a trama comete vários deslizes, ora atribuindo à protagonista um apelo sexual que ela está longe de inspirar, ora encerrando-a na pele da menininha insegura que quer abandonar a todo custo.

Cami está feliz com seu trabalho de engenheira de gravação — ou melhor, como ela mesma reconhece, não é bem assim: ela está feliz com o que pode fazer dele, além de pagar a faculdade e as prestações do carro. Morar com a irmã, Amalia, e o cunhado, Florian, com Megan Smart e Benjamin Hoetjes conseguindo manter o nariz acima da linha da água num espaço tão restrito para seus personagens, além de Luisa, a filha dos dois, de Nell Fisher. Não desponta nenhum grande conflito desse núcleo, mas McGibbon ilumina uma pretensa inquietude de Cami de qualquer forma, levando-a a se aconselhar com a mística interpretada por Jacque Drew, que diz as platitudes tão características nessas conjunturas. O namoro com Paul não é um mar de rosas (e que relação o é?), mas o típico galã encarnado por Scott Michael Foster, loiro, alto, esbelto, sofisticado, e, o principal, apaixonado por ela, parece inclinado a fazer aquela perguntinha que só precisa de uma resposta muito lacônica, afirmativa, de preferência. Como desgraça pouca é bobagem, o céu de brigadeiro de Paul é tomado por dois gaviões (ou urubus), Jack, o fotógrafo pseudohippie com quem Cami namorou no ensino médio, papel de Jordi Webber, e Rex, de Avan Jogia, um roqueiro que, por seu turno, poderia juntar o útil ao agradável e fazê-la decolar na profissão. Será que ela não teria um amigo para piscar-lhe a luz amarela?

Esse amigo é o público. Replicando o expediente inaugurado com “Black Mirror: Bandersnatch” (2018), de David Slade, a Netflix oferece algumas soluções para o desfecho, a serem cogitadas por quem assiste, mas tudo parece forçado demais. A grande delícia de “As Escolhas do Amor” é mesmo a quebra da quarta parede, recurso inaugurado no cinema com o inesquecível “Curtindo a Vida Adoidado” (1986), do genial John Hughes (1950-2009), e revivo agora em “Fleabag” (2016-2017), a comédia dramática da BBC escrita por Phoebe Waller-Bridge. Todo o resto é mais do mesmo, e não há Ferris Bueller que deixe o longa de McDonald menos insosso.


Filme: As Escolhas do Amor
Direção: Stuart McDonald
Ano: 2023
Gêneros: Comédia/Romance
Nota: 7/10

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.