O thriller de ação com Jamie Foxx na Netflix que é o coquetel de diversão que você precisa para seu final de semana Skip Bolen / Netflix

O thriller de ação com Jamie Foxx na Netflix que é o coquetel de diversão que você precisa para seu final de semana

O homem não suporta ficar indisposto, refém das descompensações químicas que ele mesmo fomenta. Ludibriado pela inadequação que constitui sua essência, tenta bater o mal com um mal ainda maior, fazendo com que principie outra vez o ciclo dos tormentos que não remedeia nem com o socorro da medicina mais avançada. Em “Power”, Ariel Schulman e Henry Joost tratam de algumas das questões que intercalam o uso de drogas e a consequente pletora de efeitos que advêm do que deveria ser apenas uma escolha individual, levantando uma alegoria sobre o regozijo nos paraísos artificiais em que se refugiam as almas num martírio especialmente penoso e de que maneira tal atitude implica na vida como ela é. Predicados e defeitos — sobretudo defeitos — definem o quão resoluto pode ser alguém cujo grande objetivo na vida é escalar sem trégua a muralha de sonhos mais ocultos, todos ligados entre si e afinados, mirando um único propósito. Essa ânsia por sair de um espaço que parece menor aos olhos do mundo e atingir o topo, custe o que custar, passa pela cabeça de todo indivíduo. Entretanto, só aqueles verdadeiramente obcecados, seduzidos de morte pelos falsos encantos da força e do poder, são capazes de elevar esse projeto tão etéreo à condição de realidade, perniciosamente admirável. É difícil preservar a sanidade frente à tanta preocupação, tanta angústia, tanto conflito. Nos últimos setenta anos, desde o fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), a humanidade ficou viciada no conforto de habitar os grandes centros, cada vez mais absorta pelo trabalho e, por conseguinte, cada vez mais enfastiada, desapontada, infeliz. E vício é mesmo a palavra certa para descrever a encruzilhada dos sentimentos humanos do ponto de vista biológico.

Mattson Tomlin escreve sobre um entorpecente que sem dúvida seria motivo de êxtase para muita gente, com a licença do calemburgo. Numa Nova Orleans dominada pelo tráfico, começa a circular uma substância que deixa seus cidadãos mais resilientes e mesmo poderosos, capazes de buscar no mais escuro de si o vigor de que precisam para superar as dificuldades do cotidiano, as manifestas e as que ficam à espreita, aguardando uma oportunidade de atacar. O roteirista elabora esse argumento de modo a inserir a sua abordagem a respeito da situação de abandono e degenerescência social da cidade após a ocorrência do furacão Katrina, entre 23 e 31 de agosto de 2005. Schulman e Joost aproveitam o gancho para apresentar Frank, o policial durão, idealista, mas um tanto frustrado de Joseph Gordon-Levitt, correndo atrás de um criminoso que se funde aos ambientes por onde passa, exercendo o mimetismo de que a droga o guarnece. A fotografia de Michael Simmonds aliada à edição de Jeff McEvoy confere a esses lances um realismo que chega a surpreender no que até esse ponto tinha o jeito de um filme de ação apenas mediano.

A parceria de Gordon-Levitt com Jamie Foxx demora a engatar, mas uma vez que se dá tal mágica, a história de fato ganha outras cores e outro ritmo. Misturado às estrelas mais inalcançáveis, em alguma parte de um universo que se dilata e se contrai em si mesmo, defendendo-se de qualquer ciência que se faça conhecer, orbita um corpo celeste que abriga as tantas vontades humanas. Nesse lugar, as ideias mais delirantes; os desejos, mais e mais imperiosos; necessidades as mais íntimas; tantas loucas promessas acerca da existência, tudo quanto se relaciona ao gênero humano e suas doidas aspirações se revela, permitindo que desabroche o cerne que ele mesmo nunca conheceu. Naturalmente, todas essas sempre foram partes da sua constituição mais secreta, ainda que ele próprio nunca o vá admitir. Na pele de Art, um megatraficante entre arrependido e cínico, Foxx encarna os trechos mais perturbadores e comoventes da narrativa, em especial quando se desvenda o segredo de polichinelo em torno de sua figura melancólica. A participação de Dominique Fishback como Robin Railey, uma garota-problema que aspira à carreira de rapper, acrescenta leveza, sem prejuízo da dramaticidade numa história que é lirismo, mas é também um recorte visionário acerca das misérias do indivíduo, num tempo em que isso deixa de ter valor — e com o consentimento de todos —, pela influência dos maus e o desleixo dos bons. Drogas são só a ponta do iceberg que corta um mar salgado de lágrimas.


Filme: Power
Direção: Ariel Schulman e Henry Joost
Ano: 2020
Gêneros: Ficção científica/Crime/Ação
Nota: 9/10

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.