Bárbara Eugênia e o tesouro sem preço das pérolas populares Juliana Rubin / Divulgação

Bárbara Eugênia e o tesouro sem preço das pérolas populares

Quando eu era criança e brincava descalço no sol de Araraquara, nos anos 80, minhas avós ouviam canções de amor no rádio e cantavam junto, separando a dedo na mesa da cozinha as cascas e pedras do arroz comprado a granel. Ali, naquele tempo e espaço nosso, não havia tristeza, nem medo, nem fome nem nada que levasse embora a alegria da gente. Enquanto houvesse uma canção soando no rádio, nós éramos felizes para sempre.

E sempre havia. Naquele tempo, minha tia ganhou um disco pequenininho, um “compacto” de uma antiga cantora muito popular, num sorteio da rádio Morada do Sol, e me deu de presente. Na minha casa ainda não havia vitrola, então eu girava o disco num prego na parede e cantava para os meus cachorros:

“Uma pombinha branca…
passa no céu a voar
Uma pombinha branca
voa tão livre no ar
Não tem ninguém que vive tão bem…”

A cantora se chamava Joelma (que não é a do Calipso!), e fazia muito sucesso na época. Eu era criança e sabia da vida tão pouco quanto sei hoje, mas cantava de cor as canções que enchiam a nossa casa de vida. A gente sabia sentir alegria.

Mais de quarenta anos depois, hoje eu sei que se tratava da chamada música “brega”, “cafona” e outros adjetivos bobocas que decidiram colar em certo cancioneiro romântico. Mas naquele tempo eram só as canções que a gente amava. Odair José, Marcio Greyck, Reginaldo Rossi, Wando, Fernando Mendes, Diana, Jane e Herondy e tantos outros eram estrelas de primeira grandeza em nossa casa. A gente era feliz e agradecia pelo simples fato de eles existirem e cantarem.

Deve ser por isso que eu fiquei tão emocionado ouvindo o disco novo da Bárbara Eugênia, o álbum “Foi Tudo Culpa do Amor (Pérolas Populares, Volume 1)”.

Bárbara Eugênia
Foi Tudo Culpa do Amor (Pérolas Populares, Volume 1)

Produzido e arranjado por Zeca Baleiro, o disco é o oitavo da carreira de Bárbara e o primeiro em que ela é só a intérprete. Bárbara é compositora de coisas lindas, mas mergulhou com tamanha paixão e tanta generosidade no projeto de cantar esses standards brasileiros que é como se ela ganhasse a coautoria deles. Ela e Baleiro desencavaram um tesouro de noventa pérolas do cancioneiro do povo. Dez delas entraram no álbum, mas esse é só o primeiro volume.

Não sei você, mas eu acho bonito quando um compositor abre mão de cantar e gravar as próprias músicas para cantar e gravar as canções do outro. Ele opera ali um gesto de profunda generosidade. Com o outro, com a música, com a beleza, com o tempo. Conosco.

Que bonito é Bárbara cantando “Gosto de maçã”, do Wando, “Não se vá”, de Jane e Herondy, “Foi tudo culpa do amor”, de Diana, entre outras joias. Que bonito é Bárbara cantando.

Com toda a competência e a simplicidade do mundo, o disco de Bárbara e Zeca reafirma a vocação mais bonita da canção popular, esse ofício de celebrar a vida e todas as suas contradições para quem quiser ouvir. O bonito e o feio, o prazer e a dor, a luz e a sombra, o amor e o ódio, nossa grandeza e nossa escassez e o quanto essas impressões e emoções humanas se misturam, se implicam e se completam. Feito na vida. 

A conexão natural que as canções constroem com quem lhes abre a escuta e o coração é um lindo exercício de cumplicidade, como se elas nos dissessem: “eu sei quanto frio, quanto medo e quanta solidão você está passando e ainda vai passar, então eu vim segurar a sua mão”.

Esse pequeno milagre aconteceu de novo, a partir do ofício poderoso de Bárbara Eugênia. Comecei a ouvir o disco e agora suas canções ressoam delicadas por todos os cantos da casa, feito preces flutuando leves até o ouvido generoso de Deus.

Obrigado, Bárbara! Que trabalho bonito você fez na companhia de Zeca. Obrigado por deixar soar de novo entre nós as canções de amor que nos fazem sentir alegria. E você sabe: enquanto houver uma canção de amor soando, nós seremos felizes para sempre!