A verdade por trás dos flashes: produção da Netflix mostra os bastidores da batalha judicial entre Johnny Depp e Amber Heard Divulgação / Netflix

A verdade por trás dos flashes: produção da Netflix mostra os bastidores da batalha judicial entre Johnny Depp e Amber Heard

“Johnny Depp x Amber Heard”, o óbvio título do documentário de Emma Cooper, mostra que as colinas de Hollywood nunca mais foram as mesmas depois de intermináveis sessões para apreciação de provas, exposições de advogados, tomadas de posição do juiz e, claro, os discursos meticulosamente ensaiados de reclamante e reclamado, isto é, Amber Laura Heard e John C. Depp, II, um dos mais talentosos e carismáticos atores que a indústria cinematográfica já produziu, e sua esposa, também atriz, em franca ascensão. Essa era a farsa da vida como ela é que muita gente esperava desde sempre, sem nenhum exagero. A pendenga judicial de duas estrelas do cinema — ele muito mais famoso que ela, o que, definitivamente, não vem a ser nenhuma vantagem, como mostram as quase duas horas e meia dispostas em três capítulos — é considerada é a primeira exposta em todos os meios de comunicação, todos mesmo. Usuários comuns de redes sociais e os tais influenciadores, especialmente daquela plataforma chinesa de vídeos curtos, se esbaldaram com o show ininterrupto de degradação moral não das duas partes do processo, um homem e uma mulher adultos, donos de suas próprias vidas, que escolheram a pior maneira de pôr termo ao casamento, mas de inclementes repórteres em busca de um furo, uma declaração (ainda mais) ácida de Heard frente a um Depp inicialmente acuado, que também soube partir para o ataque no momento oportuno, levando a conhecimento público comportamentos no mínimo excêntricos da cônjuge de quem não via a hora de se desobrigar pela letra da lei.

Cooper segue um roteiro formulaico, mas certeiro, quanto a destrinchar informações fundamentais para que o espectador absorva o básico do imenso enrosco desencadeado por Depp e Heard no aparelho jurídico americano. Embora provavelmente nunca tivessem pisado na Virgínia, a causa foi enviada para a corte daquele estado, Fairfax, para ser exato. Essa reviravolta inicial, quiçá a mais mirabolante da história, deve-se ao artigo da atriz, publicado pelo “Washington Post”, em que Heard escancarava pela primeira vez os supostos maus tratos sofridos pelo marido, aproveitando para mencionar a intenção de processá-lo em cinquenta milhões de dólares. A reação, por evidente, veio a galope, e o jornal tirou todo o proveito de que pôde do escândalo, a pontinha da gigantesca montanha de expedientes os mais sórdidos, valendo-se, inclusive, da prerrogativa de escolher a jurisdição onde o processo correria. Os campos verdes e serenos do norte da Virgínia começaram a testemunhar o êxodo de hordas de carros de passeio e emissoras de televisão, que dedicaram em média duzentas horas de sua programação à cobertura das seis semanas pelas quais o imbróglio Depp x Heard se arrastou, despertando paixões para o bem e para o mal. Na abertura, a diretora explica, como se fosse necessário, que as imagens foram submetidas à edição, uma vez que os agora ex-marido e ex-esposa nunca estiveram cara a cara no romper do litígio, em abril de 2022. Como já era de se esperar, a corte houve por bem convocar acareações, sobre as quais se alguém teve a intenção de manter o sigilo, fracassou ruidosamente. Todos os dias, as calçadas do Tribunal da Virgínia eram varridas por garçons, professoras, aposentados, donas de casa, ávidos em dar seu próprio veredito, quase sempre em favor de Depp, mesmo no dia em que a protagonista de “Aterrorizada” (2010), de John Carpenter, sacou fotos do rosto, desfigurado por golpes com um celular (!). O circo seguia com debates na televisão, ilustrados por âncoras de podcasts e subcelebridades, destacando a passividade do astro da franquia “Piratas do Caribe”. Depp de fato aparece sempre na defensiva (até demais), e é impossível dizer até que ponto isso o ajudou a levar a melhor. O júri decidiu em seu favor, condenando Heard a pagar quinze milhões de dólares, reduzidos a 10,35 milhões. Depp foi multado em dois milhões, e esse show, por enquanto, fechou suas cortinas.


Série: Johnny Depp x Amber Heard
Direção: Emma Cooper
Ano: 2023
Gênero: Documentário
Nota: 8/10

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.