O trágico e o cômico tiram um do outro a parte com que passam a ser únicos. As cinco amigas de “A Noite É Delas” passam rápido demais de um a outro ponto, nunca deixando a margem minimamente satisfatória para que o espectador consiga reconhecer onde está a história e para onde ela vai. O debute em longas da ítalo-americana Lucia Aniello quer abraçar muitos temas relevantes ao mesmo tempo ao passo que sempre deixa no ar a sensação de que essa irrequietude não é capaz de resistir a dois minutos de um diálogo um pouco menos histriônico, maldição que com que textos de comédia têm de se haver em muitas circunstâncias no transcurso de uma mesma narrativa. Aniello se sai bem para uma primeira experiência; contudo, a irregularidade é de fato a marca do filme, que precisa abusar do carisma e do talento de seus atores para bater cem minutos com algum viço.
Uma mulher-diaba chega à festa da irmandade em que veteranos recepcionam calouros, tradição nas universidades de toda a América. Uma princesa medieval e uma tirolesa disputam com um grupo de marmanjos quem acerta mais vezes um copo de cerveja com uma bola de pingue-pongue, e realizam a tarefa com galhardia, inclusive sem grandes empecilhos quanto a virar uma dose antes de avançar no jogo. As duas vencem a competição, proeza inédita de uma equipe inteiramente feminina, e essa torna-se uma lembrança particularmente feliz para Alice e Jess, as beberronas fantasiadas de Jillian Bell e Scarlett Johansson, que partilham sua alegria com Blair e Frankie, as personagens de Zoë Kravitz e Ilana Glazer no quarto de uma delas no alojamento dos estudantes. As quatro fazem planos para quando estiverem todas reunidas novamente, já que a Jess de Johansson planeja fazer um intercâmbio e a vida de Alice, ela nem suspeita, vai dar aquelas trepidantes reviravoltas que não se pode jamais concluir se são boas ou más: elas acontecem e ponto. Não se sabe ao certo se elas continuam a se ver, tanto menos com a frequência dos tempos de colégio, mas o roteiro de Aniello e Paul W. Downs, seu namorado e parceiro criativo, salta uma década e o quarteto está outra vez junto, num saguão de aeroporto, prestes a embarcar para Miami. Jess vai se casar com Peter, o galã apatetado de Downs, e a viagem serve, claro, de pretexto para uma despedida de solteira com eventos com que a mocinha nem sonha, a noite das garotas do título, a começar pela morte acidental do stripper que levava um número particular no convescote, gancho para o respiro cômico, com a australiana Kiwi, a quinta integrante do grupo, de Kate McKinnon, vista num estimulante papel secundário no enfaroso “Barbie” (2023), dirigido por Greta Gerwig.
É mesmo difícil para Aniello, justiça se lhe faça, escapar dos tentadores clichês de enredos como esse, com Bell incorporando a gordinha meio sexualmente infeliz depois de um divórcio que já atravessa os anos e obcecada com a figura da genitália masculina, e Glazer na pele da lésbica bem-resolvida e pegadora — que consegue reverter a separação meio traumática da personagem de Kravitz, uma corretora de imóveis de luxo bem-sucedida e cheia de problemas na relação com o ex-marido, Malcolm, de Mark Tallman, que quer tirar-lhe a guarda do filho do ex-casal. Sem a menor dúvida, o único grande momento do filme é a lavagem de roupa suja, no calor das deliberações sobre o que fazer com o cadáver, entre Jess e Alice, uma amizade irritantemente tóxica, como anda se dizendo hoje, mas que, por óbvio, sobrevive. “A Noite É Delas” acaba como começa, em festa, como se as cinco mulheres nunca tivessem deixado de ser as garotas inconsequentes dos festins regados a bebida farta e de procedência duvidosa com os colegas de turma. Em havendo “Barbie 2”, Aniello merece a oportunidade.
Filme: A Noite É Delas
Direção: Lucia Aniello
Ano: 2017
Gênero: Comédia/Humor ácido
Nota: 7/10