Pérola escondida: descobrimos o filme encantador na Netflix que é um carinho na alma Seacia Pavao / Straight Shot Films

Pérola escondida: descobrimos o filme encantador na Netflix que é um carinho na alma

Longa-metragem de estreia de Katie Holmes como diretora, “Tudo Que Tínhamos” é um drama independente escrito por Josh Boone e Jill Killington, inspirado no romance homônimo de Annie Weatherwax. O filme representa muito bem a nova fase da carreira de Holmes, mostrando um lado mais amadurecido, seguro e autônomo. De uma adolescente moleca em “Dawson’s Creek” para a jovem apaixonada por Tom Cruise, Holmes agora demonstra muito mais personalidade e autoconfiança. Antes de “Tudo Que Tínhamos” ela dirigiu dois curtas, que a preparou para finalmente tomar as rédeas em projetos maiores. Depois desse, ainda dirigiu “Alone Together” e “Rare Objects”.

O enredo é contado da perspectiva de Ruthie Carmichael (Stefania LaVie Owen), uma adolescente de 13 anos, cuja mãe, Rita (Holmes), é uma alcóolatra, emocionalmente instável e financeiramente incapaz de cuidar da filha. Pelo pouco que é abordado da história de Rita, podemos adivinhar que ela teve uma infância difícil, foi órfã e pulou de lar em lar adotivo sem encontrar em nenhum deles uma família de verdade, que desse amor e apoio.

A vida adulta foi igualmente volátil, com Rita trocando de namorados constantemente, homens que prometiam salvar ela e Ruthie da extrema pobreza e da vulnerabilidade, mas que só procuravam sexo e diversão.

O filme começa com as duas fugindo de um lar supostamente abusivo de algum namorado de Rita. Elas entram no carro antigo, com alguns objetos no porta-malas, pouco dinheiro e nenhum destino. No meio do caminho, elas decidem que vão para Boston, e assim seguem viagem rumo à promessa de uma vida melhor. Mas o carro não resiste rodando por muito tempo e pifa na rodovia, obrigando Rita a gastar todo dinheiro que tinha no reparo. Para comer, elas praticam pequenos furtos em lojas de conveniência à beira da estrada. Uma cena comovente em que Ruthie ajuda a mãe a arrancar um dente com um fio dental no banheiro de uma lanchonete mostra o grau de pobreza e marginalidade em que elas se encontram. As duas não têm condições aos atendimentos mais básicos de saúde.

Quando a fome desencrava alguns gemidos da barriga, elas decidem parar em uma cafeteria de uma pequena cidade a 200 quilômetros de Boston. Sem dinheiro para quitar o lanche, as duas, que são calorosamente atendidas por Marty (Richard Kind), dono do estabelecimento, e sua sobrinha trans Peter Pam (Eve Lindley), pretendem fugir inadvertidamente, sem imaginar que o carro vai pifar outra vez, agora na frente do comércio.

Para Rita, o vergonhoso incidente é um sinal do destino. Então, as duas retornam ao local para pedir desculpas pela tentativa de furto e implorar pela piedade e perdão do homem. Mãe e filha ficam por ali atendendo os clientes para saldar a dívida e juntar um dinheiro para consertar novamente o carro. Depois de alguns dias, Rita e Ruhtie começam a se adaptar na cidade e a sentir que o lugar pode ser um bom recomeço para ambas.

Durante um tempo, as coisas parecem realmente se ajustar, mas logo o alcoolismo e a inconsistência da mãe ressurgem para tirar o trem dos trilhos. Mas nessa jornada de renascimento, amadurecimento e autoconhecimento, as duas vão descobrir amizades verdadeiras e a importância de se encarar as próprias ações e problemas com responsabilidade.

“Tudo Que Tínhamos” é um retrato comovente das famílias invisíveis, dos esquecidos pelos governos liberais. É a realidade dura e crua de pessoas que não têm onde morar ou o que comer. É um olhar sensível e sem julgamentos para aqueles que não tiveram a sorte de nascer em um lar estável e seguro. O capitalismo não cabe todo mundo. Na verdade, seu espaço é um cubículo, onde poucos são os convidados para entrar e se aconchegar.


Filme: Tudo Que Tínhamos
Direção: Katie Holmes
Ano: 2016
Gênero: Drama
Nota: 9/10

Fer Kalaoun

Fer Kalaoun é editora na Revista Bula e repórter especializada em jornalismo cultural, audiovisual e político desde 2014. Estudante de História no Instituto Federal de Goiás (IFG), traz uma perspectiva crítica e contextualizada aos seus textos. Já passou por grandes veículos de comunicação de Goiás, incluindo Rádio CBN, Jornal O Popular, Jornal Opção e Rádio Sagres, onde apresentou o quadro Cinemateca Sagres.