“Karatê Kid – A Hora da Verdade” é um filme surpreendente. A uma análise precipitada, imagina-se que o texto de Robert Mark Kamen vai girar sem definição em torno de um garoto meio simplório, que decide aprender uma arte marcial depois de esgotar as chances de um diálogo franco e civilizado com tiranos da mesma idade. Entretanto, John G. Avildsen (1935-2017) faz dessa uma trama cheia de entrelinhas, que perpassa as agonias próprias de um menino e suas pequenas grandes questões, mas vai, sem que se note, aprofundando-se em temas nada ingênuos, como maternidade solo, urgência de autoafirmação, a necessidade de se constituir vínculos sólidos com alguém, a sobrevivência do corpo e a busca por qualquer coisa que sustente a força do espírito. Avildsen acha no roteiro de Kamen os elementos para deixar a nu o coração do protagonista, com quem o espectador, a despeito de em que quadra da vida possa estar, identifica-se de pronto, os mais velhos lembrando-se do filme quando de sua exibição inaugural, há cerca de quatro décadas, uma época em que o mundo tinha o dobro do tamanho e as crianças padeciam de apoquentações de criança. Parece banal, mas não é.
O primeiro longa da franquia, que se estendeu até 2010, com Jaden Smith e Jackie Chan nos papéis centrais, foi das melhores coisas de 1984, e reacende memórias muito caras ao público graças, justamente, ao desembaraço com que surgem na tela discussões relevantes. Daniel Larusso deixa Nova Jersey para enfrentar toda sorte de dificuldades na Los Angeles, para onde se muda com a mãe, Lucille, de Randee Heller. No prédio em que vão morar, o zelador, um velho nipo-americano, solitário e que faz questão de alimentar passatempos exóticos como apanhar moscas com hashis — essas suas esquisitices serão muito úteis ao novo morador em breve — passaria despercebido, até que o rapaz descobre que o senhor Miyagi, é esse o nome dele, foi um dos melhores caratecas de seu tempo, e, claro, ainda é capaz de lutar como poucos. Essa informação é de suma utilidade para Daniel, que se apaixonou pela ex-namorada do valentão da escola, e foi correspondido. Como desgraça pouca é bobagem, Johnny Lawrence é faixa preta em caratê e uma espécie de príncipe encantado dark dos contos infantojuvenis, com o loiro e atlético William Zabka na pele de um antagonista que encarna quase todos os clichês de um papel como esse. Nosso herói aguenta o quanto pode, mas farto das surras, recorre ao senhor Miyagi, que por seu turno não julgar uma boa ideia ter um discípulo a essa altura da vida. Quando se convence, afinal, manda o pupilo lustrar automóveis, pintar cercas, esfregar o lodo das piscinas. Eles quase se estranham, mas de parte a parte, sabem que aquela aliança há de ser mutuamente vantajosa. Portanto, insistem.
Não há muito mais a se esperar de “Karatê Kid – A Hora da Verdade”, e, no entanto, também nós continuamos no filme, por uma razão um tanto óbvia. Ralph Macchio e Pat Morita (1932-2005) ficam a cada cena mais persuasivos na condução da inabalável amizade que une Daniel e Miyagi, um confiando plenamente no outro, descobrindo afinidades, combatendo os preconceitos que eventualmente brotam entre si, mas nunca envenenam sua relação, atropelando qualquer um que se atreva a tentar separá-los. Essas histórias inocentes dos anos 1980 nunca perdem o encanto; sabem a uma nostalgia com cheiro de casa avoenga, em cuja vizinhança os moleques acertavam suas diferenças com algum senso ético. E métodos quase tão eficazes quanto os do personagem de Morita.
Filme: Karatê Kid – A Hora da Verdade
Direção: John G. Avildsen
Ano: 1984
Gênero: Drama/Ação
Nota: 8/10