“Que Horas Ela Volta?”, dirigido e roteirizado por Anna Muylaert, é uma produção do cinema brasileiro que sugere uma reflexão sobre o papel das empregadas domésticas. O filme vai além da simples representação da vida doméstica, oferecendo uma análise aprofundada e esclarecedora do papel complexo e multifacetado desempenhado pelas empregadas domésticas em nossos lares e na educação de nossos filhos. De maneira perspicaz e provocativa, aborda as nuances das relações domésticas, desconstruindo a noção de que o trabalho doméstico é puramente funcional e ressaltando o papel emocional e educativo crucial desempenhado por essas mulheres na formação de gerações.
Inspirada pela história de sua funcionária, que deixou sua própria filha para fazer a vida em São Paulo, Muylaert nos apresenta Val, uma empregada doméstica nordestina que trabalha para uma família de classe média de São Paulo. Val deixou sua filha em sua cidade natal para buscar melhores oportunidades na metrópole. Após anos trabalhando na casa, Val vê Fabinho (Michel Joelsas), o filho de sua patroa, como seu próprio filho. Fabinho, por sua vez, possui uma conexão afetiva mais forte com Val do que com sua própria mãe, que trabalhava fora durante toda a sua infância.
Quando a filha de Val decide ir a São Paulo para visitar a mãe e fazer vestibular, ela abala a rotina dos patrões e causa um rebuliço ao questionar o papel de Val na casa. Afinal, por que tantos patrões consideram as empregadas domésticas como “da família”, se elas não têm lugar à mesa? Se não podem abrir a geladeira e pegar o que desejam? Se não podem relaxar na piscina da casa? Se não têm direito à herança?
Apesar disso, a elas são delegados não apenas os cuidados com a casa, mas também com as crianças. Enquanto os pais saem para trabalhar ou cumprem suas agendas, são elas que cuidam da alimentação, higiene, dos cuidados afetivos, das brincadeiras e, até mesmo, do sono dos filhos dos patrões. Ao longo dos anos, estabelecem vínculos complexos com as crianças e sofrem quando são demitidas e precisam romper, de repente, esses laços.
A presença de Jéssica (Camila Márdila) é incômoda, porque lembra a todos, aos patrões e à sua mãe, que as empregadas não fazem parte da família e que, ao cruzarem certos limites, são imediatamente relegadas ao seu papel de simples funcionárias. Também incomoda, pois ela demonstra que a limitação financeira não é suficiente para aliená-la e que a curiosidade e o pensamento crítico são independentes da classe social. Jéssica é mais inteligente que Fabinho, o menino privilegiado que tem tudo para ser bem-sucedido, o que provoca certo desprezo.
Em uma cena específica, Fabinho expressa para Val seu julgamento sobre Jéssica: “Ela é estranha. Muito segura”. Diferente de outras pessoas de sua posição social, Jéssica não se submete e não age como inferior ou empregada dos ricos, afinal, não é ela a funcionária dos patrões. Jéssica é uma garota com objetivos claros e que reage a qualquer tentativa de diminuí-la com o mesmo nível de audácia.
A simplicidade e a naturalidade nos diálogos fazem do filme uma obra suficientemente madura para abordar o tema de maneira sutil, porém afiada e sagaz. O roteiro de Muylaert passou por várias mudanças antes de ser filmado em fevereiro de 2014. No entanto, já existia desde 2002. Apenas em sua quinta versão, a cineasta considerou-o bom o suficiente para ser filmado.
A centenária fundação norte-americana de críticos de cinema, National Board Review, considerou “Que Horas Ela Volta?” um dos cinco melhores filmes internacionais do ano em 2015. O Brasil o indicou para a disputa ao Oscar, mas, infelizmente, não foi selecionado.
“Que Horas Ela Volta?” é um filme delicado e sensível para refletir sobre questões sociais e valorizar os papéis femininos na sociedade. Uma verdadeira obra de arte da cinematografia.
Filme: Que Horas Ela Volta?
Direção: Anna Muylaert
Ano: 2014
Gênero: Drama/Comédia
Nota: 10/10