Ria até as preocupações sumirem: nova comédia romântica da Netflix é um sopro de leveza Barbara Nitke / Netflix

Ria até as preocupações sumirem: nova comédia romântica da Netflix é um sopro de leveza

Haveria algum jeito de se reparar decisões erradas que, por terem mexido com a vida de outra pessoa de forma tão profunda, afeta nossa própria vida — ou o que resta dela — de um modo como nós mesmos jamais poderíamos imaginar? Essa é uma das premissas de que Vicky Wight se vale em “Felicidade para Principiantes”, a história de uma mulher comum e a sede por autoconhecimento que a paralisa. A novela homônima de Katherine Center, publicada em 2015, verte-se num texto ágil, desabotoado, decerto por ter no roteiro da diretora palpites de Center, sempre na lista de ficcionistas mais procurados pelo leitor quando o assunto são tramas que esgaravatam a alma feminina, com lições úteis para todos, ou, ao menos, para quem vive. É com os desmandos do existir que temos de nos haver todo santo dia, ansiando por escapar de suas armadilhas, mas à mercê também de desfrutar de suas repentinas indulgências e viver momentos que, por mais fugazes que venham a ser, legitimam toda uma jornada. Talvez o maior perigo de estar no mundo seja precisamente este: discernir, muitas vezes no espaço de um instante, em que circunstância o inesperado da existência está a nosso favor ou apenas se mascara com os panos coloridos da ilusão para nos ver ir ao fundo.

Uma ponte iluminada ao anoitecer confere à abertura muito da aura idílica que se vai ver ao longo dos 103 minutos de projeção. Helen, a protagonista vivida por Ellie Kemper, surge bem-vestida num conjunto bege, aboletada num sofá de couro preto, enquanto uma festa barulhenta toma corpo na casa do irmão, Duncan, papel de Alexander Koch. Kemper ratifica a máxima que prega que a pior solidão é a que coloca-nos no meio da alegria dos outros, e já que é mesmo o retrato fiel do peixe fora d’água, ela aproveita para reler pela milésima vez uma lista de metas para uma próxima trilha, o que parece ter virado uma espécie de ritual sempre que as coisas tresandam — o que parece acontecer com certa frequência. Uma foto no celular a transporta para uma quadra feliz de seu passado, quando supunha que o casamento com Michael, de Aaron Roman Weiner, seria mesmo eterno, apesar dos tantos desencontros e do desencantamento com alguém que sempre soube que não poderia dar-lhe exatamente o queria. Como Duncan não aparece nunca, entretido num tal passeio à beira-rio com uma nova namorada, Helen levanta-se e já ia embora, embora tivesse de deixar a chave de seu apartamento com o irmão. Essa é a deixa para que entre cena Jake e sua doçura, com Luke Grimes num desempenho que oscila na dose certa de drama e leveza.

Depois de mais algumas sequências em que Helen e Jake tentam acertar contas de eras imemoriais, Wight conduz o enredo para o mote central, a longa jornada de 81 milhas da personagem de Kemper pela Trilha dos Apalaches, entre Connecticut e Nova York, à que o novo pretendente se junta. Pelo que se assiste em “Felicidade para Principiantes”, até se conclui, erroneamente, que a percurso é fácil, mas a diretora logo se encarrega de cristalizar no público a metáfora do amor e da superação de desafios, que também podem não ser tão árduos assim. Basta que se queira — e nisso, amores novos sempre hão de ajudar.


Filme: Felicidade para Principiantes
Direção: Vicky Wight
Ano: 2023
Gêneros: Romance/Comédia
Nota: 8/10

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.