Casamentos podem virar amor e o amor pode dar em casamento, mas em ambas as circunstâncias, florescem problemas cuja solução quase passa pela lógica. No momento em que se agrega a equação a variável do tempo, avançando inclemente a despeito de nossas súplicas, ninguém pode arriscar um palpite quanto ao destino que uma relação é capaz de tomar, e com “Hoje Falaremos sobre Aquele Dia” o indonésio Angga Dwimas Sasongko junta amor, casamento e o que geralmente resulta dos dois na intenção de contar sobre as dificuldades de uma família, mergulhada em afetos que esboroam-se frente ao passar dos dias, dos meses, dos anos, embora nunca se acabe de todo. O roteiro de Mohammad Irfan Ramly e Yemima Krisantina, prequela de “Um Dia Falaremos sobre Hoje” (2019), também dirigido por Sasongko, explica os conflitos de um pai e seu filho, ao passo que avança para um romance frágil, truncado, mas que resiste aos solavancos da vida.
Um acidente e uma doença terminal reúnem um homem e uma mulher no corredor silencioso de um hospital. O irmão de Narendra e a mãe de Ajeng precisam de transfusões de sangue, e o diretor se vale desse mote pouco sutil do texto de Ramli e Krisantina, a urgência por manter-se vivo, a luta contra um inimigo que ninguém pode vencer, para aludir à própria natureza do amor, indomável, avesso a qualquer tentativa que empreendamos quanto a forjá-lo a nosso gosto. A história retrocede a 19 de outubro de 1987, quando a colisão de um trem em Bintaro Jaya, na região metropolitana de Jacarta, lota o pronto-socorro de um hospital. Um dos pontos altos da trama é justamente o senso de realidade que Sasongko imprime a esse primeiro conflito, mostrando uma aptidão especial em elaborar o início do romance entre os protagonistas num lugar tão pouco inspirador, tão sem esperança, tão mais afeto à morte. Jourdy Pranata e Yunita Siregar vão além das expectativas ao personificar essa agonia dialética do amor, que silencia quando precisava gritar e quer bradar ao mundo sua força nas horas mais inoportunas e em lugares os mais proibitivos. Narendra não se envergonha de sua alma rebelde, pelo contrário: essa talvez seja sua maior qualidade, a que o distingue das pessoas que o cercam, aquelas a quem devota um sentimento que não raro consome-se em si mesmo, endurece, resseca, morre. Jovens são impulsivos, jovens fantasiam demais, é o que vive escutando do pai, que não se furta a manifestar de um jeito bastante cruel a preferência por Angkasa, o irmão vivido por Rio Dewanto, que não escapa à desdita que lhe atira o fado. Sem piedade, “Hoje Falaremos sobre Aquele Dia” atropela a felicidade artificiosa dos romances clássicos, estraçalhando-a numa sucessão de eventos trágicos, que o mocinho de Pranata jamais poderá digerir, ainda que saiba preservar seu coração maior que o céu.
Filme: Hoje Falaremos sobre Aquele Dia
Direção: Angga Dwimas Sasongko
Ano: 2023
Gênero: Drama/Romance
Nota: 8/10