A história de amor mais divertida da Netflix

A história de amor mais divertida da Netflix

Que o amor enlouquece todos que já o viveram sabem, mas o desencantamento do amor, aquele momento em que começamos a perceber que, por trás de cada troca de olhares, de cada tentativa de aproximação, dos tantos beijos ansiados que se tornam verdade e da relação consumada ao termo de mil súplicas, num movimento dialético que esfria e esquenta o ímpeto dos homens, pode ser igualmente desvairado. “Loucura de Amor”, como se pode imaginar, dispõe de muitos dos clichês que nos prendem a essas histórias, mas Dani de la Orden consegue persuadir a audiência: nada de elucubrações muito profundas aqui, muito menos juízos de valor acerca do comportamento dos protagonistas, duas figuras que encaram a normalidade sob o ângulo do tédio, de modos diferentes, mas que se perfazem. O roteiro de Eric Navarro e Natalia Durán vai elencando inúmeras situações, emulando o ritmo da própria vida, na intenção de explicar um dos caprichos da paixão, uma vez superadas algumas das barreiras que impedem a união de quem se flagra dependente da mais humana das emoções, para que o ciclo se reinicie de novo, como se testasse a resistência dos corações.

Ao guidão de uma moto, deslizando por um túnel em alta velocidade, parece simples estabelecer razões para o fracasso de quem não se conhece. A vida para o publicitário Adrián é feito uma propaganda de uísque ou um concurso de popularidade, e ele segue acreditando nisso com todas as suas forças, até que em mais uma noite de farra, sem que ele desconfie, sua vida está prestes a mudar. Pulando de bar em bar e seduzindo o maior número de mulheres que consegue, como uma fera insaciável num mundo cheio de opções ao alcance da sua volúpia, o garanhão incorrigível aposta com os amigos da madruga no escuro de um inferninho de Barcelona que é capaz de levar para a cama a mulher que eles escolherem. O trato é selado e Adri parte para a sua caçada, sem imaginar que tropeçaria num imprevisto. Entre sua mesa e o balcão surge Carla, por quem se sente imediatamente atraído, ou seja, vai de predador a presa em minutos. Carla, um espírito tão genuinamente livre que dá a impressão de estar sempre voejando sobre as almas presas na carne de gente banal, precisa, na verdade, é de um porto seguro, e então, malgrado representantes de universos paralelos entre si, os personagens de Álvaro Cervantes e Susana Abaitua não se largam mais, até que, por óbvio, a dureza da realidade se impõe. Mesmo que tenham se prometido não ir além do primeiro encontro — ou talvez exatamente por isso, dada a natureza controversa e implacável do amor —, Adri e Carla se apaixonam, mas terão por adversário não uma querela de família, como Romeu e Julieta na peça homônima de Shakespeare, mas um inimigo poderoso e desconhecido que lhes oferece resistência e os trancafia num calabouço de insensatez.

De la Orden conduz a trama principal com desenvoltura, dando também espaço para tipos tão impagáveis quanto emocionantes, a exemplo de Saúl, o maníaco-depressivo de Luis Zahera. Se o amor é mesmo a razão possível num mundo de desvario, Adri e Carla estão no lugar certo.


Filme: Loucura de Amor
Direção: Dani de la Orden
Ano: 2021
Gêneros: Comédia/Romance
Nota: 8/10

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.