O melhor filme da Netflix (e é possível que você ainda não o tenha assistido) Divulgação / Sony Pictures

O melhor filme da Netflix (e é possível que você ainda não o tenha assistido)

Pedro Almodóvar é um patrimônio cultural da comunidade latina do mundo, porque representa de maneira muito clara e bela vários de nossos padrões comportamentais. Assim, de uma forma bem generalizada mesmo, mas nada simplista. E Almodóvar, como Chico Buarque, consegue também se infiltrar muito naturalmente na mente feminina. Além de conseguir fazer com que a cultura latina entre e se sinta muito à vontade em território hollywoodiano. Isso é o mais incomum e impressionante de seus incontáveis talentos.

Não dá para falar de nenhum filme de Almodóvar sem falar dele próprio, porque suas obras são ecos de sua personalidade, de seus gostos, pensamentos, questionamentos e obscuridades. Ele e seu trabalho se mistura tão homogeneamente, como água e sal. Com seu estilo extravagante e kitsch, Almodóvar nos convence que há beleza no cotidiano, no interiorano, na decoração da casa da vó, nas cores flamejantes e nos móveis grandes. Minimalismo não é com ele. Nem mesmo nas histórias.
Almodóvar não faz enredos minimalistas, lineares ou óbvios. Com forte influência das novelas latinas, inclusive da brasileira e mexicana, ele gosta do drama, da expressividade, do choque. É inexplicável como ele consegue fazer tantos acontecimentos caberem na tela em apenas duas horas e meia. Em “Mães Paralelas”, a primeira produção do cineasta em parceria com a Netflix, suas qualidades se repetem.

Dizem que em “Mães Paralelas” Almodóvar fez sua primeira manifestação política, ainda que discreta, no cinema. Não é verdade. Em “Os Amantes Passageiros” ele já havia criticado, igualmente de maneira sutil, os inúmeros aeroportos fantasmas que existem na Espanha, uma forma de políticos desviarem verbas públicas. Mas a política não se discute apenas criticando políticos. A política também se conversa falando sobre violência doméstica, estupro, aborto e transexualidade. Então, podemos concordar que basicamente toda a obra de Almodóvar é intrinsicamente política.

“Mães Paralelas” não é apenas político quando fala dos mortos durante o regime franquista, mas durante todo o tempo em que mostra o encontro de duas mães solteiras durante o parto em um hospital, que se conhecem e se unem pelos laços da maternidade. Ele é político quando mostra Penélope Cruz com uma camiseta escrita: “Todos nós devíamos ser feministas”. E, também, quando o pai da criança, um fotógrafo casado, decide não assumir e não ter contato com a filha. Ainda é político, quando a personagem de Cruz descobre que sua filha foi trocada na maternidade e decide manter segredo apenas para não ter que deixá-la.

O longa-metragem de Pedro Almodóvar nos surpreende a cada instante. Seja por um encontro inesperado, por uma reação de um personagem, por uma reviravolta na história. Somos impactados a todo momento por situações que poderiam ser reais, mesmo que pareçam exageradas. E nos sentimos a todo instante identificados com as pessoas que ele nos apresenta, porque seus personagens poderiam ser qualquer pessoa. Ele cria gente real na tela, que poderia ser eu, minha mãe, avó ou tia. Seus diálogos impressionam exatamente pelo tom realista de uma conversa de almoço de domingo na casa de parentes.

Assistir uma produção de Almodóvar é como se sentar na casa de um amigo e se sentir em um lugar comum, à vontade. E “Mães Paralelas” prova que ele não perdeu o jeito de se comunicar com o povo. Almodóvar tem o dom de falar com todas as classes sociais. E, por esse motivo e todos os outros motivos, acompanhar sua filmografia é essencial para compreender a cultura latina, especialmente hispânica.

“Mães Paralelas” é um dos maiores tesouros presenteados pela Netflix em toda sua vasta lista de produções nos seus poucos anos como estúdio cinematográfico. Complexo, denso e intrigante, o drama pinta várias cores das camadas humanas e nos mostra que ninguém é bom ou ruim. Todos somos apenas pessoas em busca da felicidade.


Título: Mães Paralelas
Direção: Pedro Almodóvar
Ano: 2022
Gênero: Drama
Nota: 10/10

Fer Kalaoun

Fer Kalaoun é editora na Revista Bula e repórter especializada em jornalismo cultural, audiovisual e político desde 2014. Estudante de História no Instituto Federal de Goiás (IFG), traz uma perspectiva crítica e contextualizada aos seus textos. Já passou por grandes veículos de comunicação de Goiás, incluindo Rádio CBN, Jornal O Popular, Jornal Opção e Rádio Sagres, onde apresentou o quadro Cinemateca Sagres.