Descubra o remédio infalível para corações tristes: a melhor comédia romântica da Netflix Sarah Shatz / Netflix

Descubra o remédio infalível para corações tristes: a melhor comédia romântica da Netflix

A teoria da liquefação das relações humanas e do próprio homem, do polonês Zygmunt Bauman (1925-2017), vira uma saborosa comédia romântica nas mãos de Jennifer Kaytin Robinson, que com “Alguém Especial” apresenta a história tão óbvia quanto cativante de um grupo de amigas jovens, bonitas, em lua-de-mel com a carreira ao fim de batalhas quase inexpugnáveis — e, o principal, leves, ainda que intensas — se lançando sem rede de proteção aos desafios impostos pela vida, mãe e madrasta. O inesperado sucesso de “Sweet/Vicious” (2016), a série exibida pela MTV, decerto serviu de lampejo de inspiração e coragem para que Robinson perseverasse em seu intento de remover o verniz idealista que pode existir em ser adulto, mormente nesse público. A diretora-roteirista consegue a proeza de listar boa parte dos surrados chavões vistos em filmes como o seu e esgotá-los com a mesma habilidade, conferindo à narrativa precisamente a ideia de ciclos, ora findos, ora abandonados pelas mais diversas razões, remontando ao pensamento baumaniano — malgrado o filósofo nunca entre em cena. Mas não é necessário.

No meio da noite, um casal volta do show do rapper ASAP Rocky andando por uma Nova York sempre cheia de mil e uma possibilidades. Tudo parecia correr como ouro sobre azul para Jenny, a encantadora antimocinha interpretada por Gina Rodriguez, que estica a farra com Nate, o namorado vivido por LaKeith Stanfield, num inferninho do Brooklyn, até que chega o momento em que ela tem de contar que recebeu a proposta de trabalho dos sonhos: ser crítica musical da revista “Rolling Stones”, a mais conceituada do gênero, em São Francisco, do outro lado da América. Como se previssem o que viria a seguir, Jenny e Nate tratam de se divertir com Blair e Erin, as amigas da protagonista, vividas por Brittany Snow) e DeWanda Wise, resistir até o último instante e ir para casa aos primeiros raios de sol, feito vampiros pop, entregar-se a horas de folguedos amorosos e acabar tudo. Nesse ponto, Robinson inicia o movimento de concentrar o eixo da ação em Jenny, Blair e Erin, desperdiçando o supino talento de Stanfield, que passa a somente entrar e sair do enredo ao sabor das urgências da personagem central. O filme sofre com certa inconsistência semântica, uma vez que a nova articulista da grande imprensa continua firme nas noitadas pródigas em bebedeiras e outros excessos, agora sem Nate, cuja figura, subentende-se, era uma espécie de seu superego, um quase autômato, pensado para refrear os impulsos da moça.

A diretora quebra a sensação de folheteen esquizofrênico cujos atores já passam dos trinta valendo-se de bem-sacadas inserções técnicas, a exemplo da trilha de Germaine Franco, com belezas como a versão de “Moon River” (1961), de Henry Mancini (1924-1994) e Johnny Mercer (1909-1976), por Audrey Hepburn (1929-1993), e os flashbacks de Jenny, que voltam a uma fase de seu relacionamento com Nate em que eram muito mais ingênuos e, também por isso, muito mais felizes. Se ser adulto é mesmo estar só, que aprendamos a ser tristes, eis a lição aqui.


Filme: Alguém Especial
Direção: Jennifer Kaytin Robinson
Ano: 2019
Gêneros: Romance/Comédia
Nota: 9/10