Risadas garantidas: a comédia da Netflix que vai iluminar seu final de semana Emmanuel Guimier / Netflix

Risadas garantidas: a comédia da Netflix que vai iluminar seu final de semana

O público vinha pedindo e ele, depois de dez anos, voltou. Ousmane Diakhité, o policial negro bonachão, mas insubordinado, quase selvagem, como fala dele um personagem a certa altura do enredo, plenamente disposto a relevar protocolos no combate ao crime em Bobigny é a estrela de “Os Opostos Sempre se Atraem”, sequência de “Os Incompatíveis”, comédia policial francesa de 2012, leve, mas ao mesmo tempo cheia de ação. Antes dirigido por David Charhon, Omar Sy, o intérprete de Diakhité, agora sob a ótica de Louis Leterrier, continua rápido no gatilho — ainda que, como Igor Grom, o protagonista de “Major Grom Contra o Dr. Peste” (2021) vivido por Aleksandr Gorbatov, fortaleça a nova linhagem de policiais que preferem resolver seus casos da maneira mais eficiente e segura possível, isto é, literalmente no braço. O subúrbio de Paris, tomado por uma violência cada vez mais ignominiosa, agradece.

Diakhité, claro, trabalha muito melhor sozinho — pelo menos, ele assim o considera —, mas desta vez não consegue escapar de ordens superiores e é obrigado a encarar o sacrifício de ter em seu encalço um colega, e ele é bom em perseguir, não em ser perseguido. Pior ainda se essa parceria compulsória vem sob a figura de um sujeito um tanto janota, que se acha digno de tratamento especial por envergar ternos de caxemira e empestar o comissariado com seu perfume, mas fala “iorgute” e sempre tem de persuadir todo mundo que, às raias dos cinquenta anos, ainda mora com os pais para ajudá-los. O empenho de Leterrier em tentar unir água e óleo é recompensado, assim como em outros momentos do cinema nos quais policiais nada afetos entre si precisam deixar de lado as diferenças, enaltecer um no outro o que apresentam de melhor e, desse modo, poder se concentrar no que importa. “Um Tira no Jardim de Infância” (1991), de Ivan Reitman (1946-2022), e “As Bem-Armadas” (2013), levado à tela por Paul Feig, assim como a produção assinada por Leterrier captaram perfeitamente a intenção de valorizar pontos de vista diferentes num mesmo núcleo, abrindo o horizonte para uma maior aproximação do público leigo com o expediente da polícia, primeira etapa para que se enxergue de maneira um pouco menos monocromática suas vivências.

A figura aristocrática de Laurent Lafitte é o contraponto ideal para Diakhité. Seu François Monge serve para que o diretor teça os comentários bem-humorados, leves, mas igualmente sardônicos, carregados de crítica social acerca de uma das grandes questões da França no século 21, um país desafiado a incorporar o diferente sem, no entanto, abdicar de sua identidade e, mais importante, oferecendo soluções a um problema que lhe despejam no colo. Na esfera doméstica, da mesma forma que Monge e sua mal resolvida dependência afetiva de pais idosos, Diakhité cria sozinho um filho adolescente, que dia a dia demonstra um pouco mais prescindir de seus cuidados. O garoto dá sinais de que precisa de orientações as mais básicas, desde como lidar com a vida sexual que se avizinha — assunto para o qual o pai não se vê suficientemente talhado para abordar com ele — a temas do mesmo modo prementes, todavia muito mais complexos, como a discriminação racial, que, por óbvio, atormenta sua vida desde sempre, apaga-lhe o sorriso e bestializa-lhe o semblante doce.

A investigação do homicídio de uma mulher endinheirada, estranhamente ligado à morte de um traficante que fabricava metanfetamina no celeiro do sítio da mãe, leva a dupla a uma cidadezinha administrada por um prefeito de direita que tem pretensões voltadas ao Executivo federal e deixa transparecer um jingoísmo calculado, o mesmo que faz “elogia” as qualidades ancestrais do protagonista. Parte considerável dos habitantes se deixa influenciar até no modo de vestir, como se a França estivesse prestes a se tornar a América de Donald Trump, em particular a que protagonizou a invasão ao Capitólio em 6 de janeiro de 2021. Nesse meio tempo, Alice, a mocinha de Izïa Higelin revela sua verdadeira natureza.

Brincando sobre chavões ao passo que os subverte, “Os Opostos Sempre se Atraem” aborda discussões urgentes, em França, Europa e Bahia mesmo sendo fundamentalmente uma comédia, e do jeito que só as comédias o fazem. Rindo castigam-se os costumes e muda-se a sociedade. Homens como Omar Sy e Ousmane Diakhité que o digam.


Filme: Os Opostos Sempre se Atraem
Direção: Louis Leterrier
Ano: 2022
Gênero: Ação/Policial/Comédia
Nota: 9/10