Desligue o cérebro, aperte o play na Netflix, esqueça os problemas e simplesmente relaxe Scott Yamano / Netflix

Desligue o cérebro, aperte o play na Netflix, esqueça os problemas e simplesmente relaxe

Onde podem se encaixar jovens nubentes, assaltantes de banco idosos, uma operação criminosa que se desenrola numa confeitaria e outra porção de clichês mais ou menos engraçados que se sobrepõem como acepipes que se escolhem num bufê, saborosos, sem dúvida, mas que juntos parecem simplesmente quase repulsivos? Eis a mistura indigesta servida por Tyler Spindel em “Meus Sogros Tão pro Crime”, ainda mais pobre se se averigua o pretenso DNA de onde teria saído. “The Out-Laws”, título original do besteirol de Spindel, alude nem tão obliquamente a “Um Casamento de Alto Risco” (1979), a divertida comédia policial dirigida por Arthur Hiller (1933-2016), cujo nome original apenas troca o sufixo por seu antônimo. “The In-Laws”, com os grandes Peter Falk (1927-2011) e Alan Arkin (1934-2023), é a primeira lembrança que nos ocorre diante do pastiche roteirizado por Ben Zazove e Evan Turner, mas lamentavelmente tudo soa mesmo como uma piada de mau gosto. Se o diretor e seu roteirista pretendiam fazer uma homenagem, esse tiro — para lançar mão de uma metáfora que igualmente orbita o universo do longa —, saiu pela culatra, com o quadro se agravando paulatinamente, da introdução atabalhoada ao desfecho nada crível.

A estimativa da disposição dos convidados na festa de casamento de Owen Browning e Parker McDermott, já próxima, por uma maquete feita pelo personagem de Adam DeVine, dá o pontapé inaugural numa infindável lista de esquisitices do rapaz, gerente de um banco, mas visivelmente inepto até para desenhar um círculo com o fundo de um copo. A Parker de Nina Dobrev é uma iogue profissional que, além de ministrar aulas, estende seu fascínio algo extremo para todas as áreas da vida, o que se por um lado conserva-lhe a saúde, não a livra de reações um tanto grosseiras e mesmo histéricas diante de amostras de bolo preparadas com chantili e, o pior, fomenta a liberada confusão dos sogros, Margie e Neil, de Julie Hagerty e Richard Kind, quanto à forma como ganha a vida. Spindel explora um pouco mais — sem nenhum favor e não o bastante — a mocinha encarnada por Dobrev, que parece ter sido vítima de algum feitiço para ter se apaixonado por um sujeito boçal à náusea, cheio de hábitos esquisitos e preferências heterodoxas (a fixação por miniaturas e personagens infantis, He-Man, sobretudo, são apenas dois exemplos dos mais gritantes) e que só inspira o escárnio daqueles que têm o desprazer de conviver com ele, os subordinados, inclusive. Contudo Parker está sempre a reboque de algum outro componente da trama, e prova disso é seu desaparecimento no meio do segundo ato, quando o filme traz à baila o ritmo frenético que leva até a iminência do encerramento.

A acusação de ter planejado o roubo à agência em que trabalha coloca Owen frente a frente com os verdadeiros bandidos, que, por sinal, são também os sogros delinquentes que a história anuncia. Lilly e Billy, tal como Bonnie e Clyde, fazem do crime mais que um ofício. Pierce Brosnan e Ellen Barkin chegam a tirar o enredo do piloto automático, demonstrando afinidade e bom domínio de suas performances, valendo-se até de piadas metalinguísticas, a exemplo da ocasião em que o anti-herói de Brosnan elogia a altivez do genro num contexto para ele totalmente inaudito e a mulher o compara ao quinto James Bond. Vibram nesse diapasão o investigador Oldham, de Michael Rooker — a sequência da cadeia, quando Owen é detido para um tresloucado interrogatório, é de longe a coisa mais original e genuinamente engraçada aqui —, e a participação pouco mais que afetiva de Lil Rel Howery, desperdiçado num papel idêntico ao seu Rod Williams, de “Corra!” (2017), levado à tela por Jordan Peele.

Spindel teria feito melhor se não houvesse pesado a mão em artificialismos desnecessários, uma missão inglória em produções que, admita-se ou não, disputam uma plateia ampla demais, e que, sejamos francos, nem se importa tanto assim com o que alguns classificam de “preciosismos”. “Meus Sogros Tão pro Crime” é divertido? Certamente. Vale a recomendação? Não mesmo. Com a palavra o respeitável público: cartas para o crítico e que comece o tiroteio.


Filme: Meus Sogros Tão pro Crime
Direção: Tyler Spindel
Ano: 2023
Gêneros: Comédia/Aventura
Nota: 7/10

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.