Prepare-se para a emoção: o suspense espanhol da Netflix que vai fazer seu coração parar Quim Vives / Netflix

Prepare-se para a emoção: o suspense espanhol da Netflix que vai fazer seu coração parar

Pedro Almodóvar é certamente o diretor espanhol mais célebre hoje, mas a produção de filmes provenientes dessa terra meio mágica incrustada na Península Ibérica ao longo do século 21 vai muito além dos excelentes “Dor e Glória” (2019) e “Mães Paralelas” (2022). Em “Abaixo de Zero” (2021), Lluís Quílez contribui para o gênero do suspense de terror, incorporando ao roteiro, coescrito com Fernando Navarro, elementos característicos dos dramas de Almodóvar. O argumento parece sem mistério, e é precisamente essa a surpresa que faz a história crescer.

Em Cuenca, nordeste da Espanha, dois policiais trabalham, tentando vencer os incômodos de uma noite de inverno rigoroso. É o primeiro dia de trabalho de Martín, encarregado de dirigir o ônibus que transportará sete presos de alta periculosidade de uma penitenciária a outra, atividade aparentemente banal, como Montesinos, o colega escalado para acompanhá-lo, faz parecer. Já nas primeiras sequências do filme, é óbvio o antagonismo entre os personagens de Javier Gutiérrez — admirável como em “A Casa” (2020), levado à tela pelos irmãos Àlex e David Pastor, e “O Autor” (2017), de Manuel Martín Cuenca — e Isak Férriz. Enquanto Martín é um pai de família respeitável e amoroso, Férriz confere ao seu personagem o aspecto algo vilanesco de um homem que não vê impedimento ético em burlar regras, por mais inofensivas que sejam, como a que proíbe que agentes usem brincos quando em serviço, por exemplo. Como se verá não muito tempo depois, essa displicência moral de Montesinos será um empecilho a mais na já turbulenta jornada dos oito homens pela noite de gelo.

A viagem é feita à noite justamente por questões de segurança, mas as coisas começam a dar errado já na revista, quando todos os presos são submetidos a um exame minucioso, a fim de se evitar o tráfico de drogas e o porte de armas brancas. Ramis, do grande Luis Callejo, também é inspecionado, mas mesmo assim consegue passar com um pequeno artefato de metal, do qual se vale em um momento específico. Junto com Ramis seguem Nano, personagem de Patrick Criado; Rei, de Édgar Vittorino; o romeno Mihai, vivido por Florin Opritescu; Chino, interpretado por Àlex Monner; Golum, papel de Andrés Gertrúdix; e Pardo, do veterano Miquel Gelabert Bordoy, cada um cumprindo uma pena diferente, mais ou menos aviltante, e todas exigindo atenção redobrada de Martín e Montesinos. À medida que avançam pela estrada, invadida por um nevoeiro incessante e cada vez mais intenso, os nove homens aproximam-se juntos de um destino comum que os forçará a conciliar suas diferenças para terem alguma chance de permanecer vivos.

Quílez conduz a narrativa de “Abaixo de Zero” para um suspense profundo ao introduzir o primeiro anticlímax. O ônibus para de maneira abrupta e inexplicável, o caos e o terror vão se instalando, ninguém sabe se Mihai está falando a verdade quando diz que seus amigos criminosos vieram resgatá-lo ou se está apenas tentando se gabar diante dos outros presos e, do lado de fora, Martín tenta entender o que está acontecendo, quando encontra Montesinos. Algumas sequências depois, fica claro que o romeno aproveitou a tragicidade da situação para despertar a inveja dos colegas. Algo de errado está ocorrendo na operação, mas a causa do caos é a entrada em cena de Miguel. O marginal vivido por Karra Elejalde é um justiceiro que deseja acertar as contas com Nano, autor de um crime bárbaro contra sua filha. Na iminência do encerramento, em trechos muito semelhantes à perseguição ao personagem de Ben Foster em “A Qualquer Custo” (2016), de David Mackenzie, “Abaixo de Zero” coroa 106 minutos de uma história muito bem executada, que entrega muito mais do que promete e ferve no momento certo. Os trechos protagonizados por Gutiérrez, Elejalde, que confirma o desempenho impecável já visto em filmes de temática distinta, como “100 Metros” (2016), dirigido por Marcel Barrena, e Criado, excelente em “1898 — Os Últimos das Filipinas” (2016), de Salvador Calvo, dão novo impulso ao filme, que encerra todos os arcos e não deixa nada faltar nem sobrar.

“Abaixo de Zero” termina no momento adequado, quando a trama, uma das mais originais do originalíssimo cinema espanhol, está fervendo, exalando fumaça. Cheio de personagens únicos, que ganham vida pela interpretação esmerada de atores cuja aptidão surpreende, a tensão no filme de Lluís Quílez derrete o mais duro dos gelos.


Filme: Abaixo de Zero
Direção: Lluís Quílez
Ano: 2021
Gêneros: Suspense/Drama/Terror
Nota: 9/10