Obra-prima, inspirada em um livro de um ganhador do Nobel, está na Netflix e você ainda não assistiu Rolf Konow / SMPSP

Obra-prima, inspirada em um livro de um ganhador do Nobel, está na Netflix e você ainda não assistiu

Do diretor duas vezes ganhador da Palma de Ouro em Cannes, Bille August, “Um Homem de Sorte” levou oito anos para ser concluído e teve ajuda do filho do cineasta, Andreas August, para desenvolver o roteiro. Para Bille, este longa-metragem tem muito de sua própria história de vida, o que o instigou ainda mais a realizá-lo. Embora seja baseado no livro homônimo do ganhador do Nobel de literatura Henrik Pontoppidan, o protagonista, Per (Esben Smed), tem muito da própria ambição de vida de Bille.

Segundo o cineasta, seu relacionamento com o pai, assim como o de seu personagem, Per, foi turbulento. A mãe do diretor morreu quando ele tinha oito anos e Bille foi criado pelo pai, um psicólogo experimental que tinha métodos de educação bastante rígidos. Segundo o cineasta, seu sonho era se tornar um adulto para poder sair de casa, assim como Per.

No filme, Per é filho de um clérigo severo, que sai do ambiente familiar ao ser aceito na Universidade de Copenhagen. Um engenheiro nato, cheio de projetos inovadores e revolucionários, Per logo traça seu caminho para o sucesso profissional ao fazer conexões com as pessoas certas. Sua engenhosidade e ambição o ajuda a impressionar homens influentes e poderosos e, também, a se tornar noivo da mulher mais bela e rica da Dinamarca, Jakobe (Katrine Greis-Rosenthal).

Enquanto algumas características pessoais de Per sejam admiráveis, como sua inteligência, sua facilidade de adaptação e sua ambição, ele também é tomado por uma sombria ganância, orgulho, frieza e narcisismo. A relação problemática com o pai religioso o fez se sentir um inimigo do cristianismo, que para ele se opõe a tudo que ele acredita, como a ciência. Per se torna um inimigo de todos os símbolos cristãos, que se transformam em uma representação da dureza de seu pai, a quem não perdoa nem no leito de morte. Ele também parece incapaz de amar verdadeiramente, pulando de mulher em mulher como se elas apenas fossem instrumentos a atender seus interesses. Assim, Jakobe também só parece interessante o bastante quando ele sabe que ela será a maior herdeira dentre os irmãos.

Per sabe pouco sobre empatia e generosidade, afinal cresceu negligenciado pelo pai. Sua vida segue um plano minunciosamente arquitetado para o sucesso e só muda os trilhos quando outro caminho parece mais interessante. Mas Per é tão sortudo que as portas se abrem para ele com facilidade. O problema é que o deslumbramento pode afetar seu juízo.

“Um Homem de Sorte” é um filme bastante técnico, com boas atuações e uma belíssima fotografia que captura bem as paisagens estonteantes e pitorescas da Dinamarca e tem uma cenografia e figurinos perfeitos. O longa-metragem tem quase três horas de duração e segue um ritmo arrastado e se concentra bastante nos romances de Per, que garante maior dramaticidade à história.

Per é um personagem que amamos e odiamos, que tem atitudes duvidosas, mas que é motivado por uma paixão pessoal pouco domável. Acima de tudo, é um homem comum. Um ser humano com seus erros e acertos, que pode ser genial e tóxico ao mesmo tempo. Ele vive uma inquietude na alma que nada consegue aplacar.


Filme: Um Homem de Sorte
Direção: Bille August
Ano: 2018
Gênero: Drama
Nota: 10/10

Fer Kalaoun

Fer Kalaoun é editora na Revista Bula e repórter especializada em jornalismo cultural, audiovisual e político desde 2014. Estudante de História no Instituto Federal de Goiás (IFG), traz uma perspectiva crítica e contextualizada aos seus textos. Já passou por grandes veículos de comunicação de Goiás, incluindo Rádio CBN, Jornal O Popular, Jornal Opção e Rádio Sagres, onde apresentou o quadro Cinemateca Sagres.