O Apanhador no Campo de Centeio e minha educação sentimental

O Apanhador no Campo de Centeio e minha educação sentimental

Acredito piamente que, na biblioteca, os livros escolhem as pessoas. Eles analisam sua capa, sinopse, autor, e decidem se vale a pena ler aquele leitor. O livro que me leu escolheu-me no momento em que mais me senti uma folha em branco na minha vida: na lacuna entre o ensino médio e a faculdade. Durante meu semestre sabático compulsório, nas pausas entre os vestibulares e as aulas de cursinho, resolvi visitar semanalmente a biblioteca e me deixar à deriva para que um livro me pegasse emprestado. O sortudo da vez foi “O Apanhador no Campo de Centeio”. Apesar de ser um clássico, eu não fazia ideia do que se tratava, e justamente aí residem as melhores leituras. O excesso de palavrões, as descrições de situações extremamente banais de um adolescente de ensino médio e a vontade de ser inconsequente convenceram-me de que — salvo o egocentrismo — aquele livro era sobre mim e para mim. Era como se eu pudesse andar ao lado de Holden e não sentir nenhum estranhamento, apenas uma sensação de pertencimento misturada com suspiros de alívio — ah, com você também é assim? Ufa.

O Apanhador no Campo de Centeio (1951), J.D. Salinger
O Apanhador no Campo de Centeio (Todavia, 256 páginas)

Assim como na vida de Holden, meus 17 anos foram repletos de muita energia, revolta, vontade de questionar toda e qualquer autoridade e simplesmente sair andando por uns dois dias. Porém, no meu caso, esses pensamentos ficaram apenas na teoria, correndo loucamente de lá para cá na minha cabeça. O livro talvez tenha mudado a minha vida quando invadiu meu ser e não arrumou a bagunça, apenas disse que isso fazia parte, que era um caos essencial. A formação da minha identidade não deveria ter prazo, meu projeto de ser humano não deveria estar pronto àquela altura, muito menos meu plano de carreira.

Quando o livro me devolveu à biblioteca, meu caminhar já era mais leve, como uma flutuação pela vida, com o entendimento de que a adolescência não é uma transição, é uma fase por si só e carrega consigo suas complexidades, dilemas, questionamentos e, acima de tudo, suas banalidades. E, apesar de estar quase me tornando arquiteta, o que eu queria mesmo era ser uma apanhadora no campo de centeio e tal.