A Terra parece se tornar um rincão cada vez mais inóspito, ao passo que a humanidade vem gostosamente se entregando a sonhos messiânicos com o fim do mundo, quase certa de que não há mesmo nada a se fazer. Pelo menos é o que se depreende de histórias como “Presságio”, uma rica compilação de imagens espantosamente sofisticadas em seu terror cartesiano e conceitos surrados, mas que, como se nota, irão levar ainda boas décadas até que se esgotem de todo. Alex Proyas refina o componente profético de seu filme acusando o homem de desobrigar-se dos compromissos e atribuições que sobre ele impendem, e tem a mesma habilidade quanto a anexar a essa premissa a ideia do passar do tempo, igualmente dedicado a seu propósito de destruir tudo quanto pode e o mais breve possível, com a ressalva de ser eterno e senhor de tudo, inclusive da razão, a que o gênero humano renuncia de modo desabrido. O texto de Juliet Snowden, Ryne Douglas Pearson e Stiles White vai e volta em inserções precisas de comentários entre o lirismo e a escatologia acerca da nossa tão idiossincrásica condição diante da existência, em que meio século não nos ensinam nada e seguimos cometendo os mesmos erros, até que a vingança, afinal, desapeia de seu cavalo selvagem e paga-nos com fogos que nunca deixam de arder, neves que inundam megalópoles inteiras e uma morte em lenta agonia, que até a mais simplória das criaturas poderia antever.
Em 1959, uma menina pálida e algo desalentada olha para o nada enquanto os colegas brincam no pátio da Escola Primária William Dawes, em Lexington, Massachusetts. Pouco depois, quando todos os alunos entram, inclusive Lucinda Embry, a garota excluída torna-se o centro das atenções pela primeira vez no decorrer de sua vida letiva: a sugestão de se fabricar um receptáculo com desenhos dos estudantes com seus palpites sobre como será o futuro é a escolhida pelo diretor Clark, de David Lennie, e essa cápsula do tempo vai ficar enterrada por cinquenta anos, momento em que, afinal, conhecer-se-á quem mais acertou e quem cometeu os enganos mais grosseiros. Ao fim do prazo estabelecido pela senhorita Taylor, a professora vivida por Danielle Carter, Lucinda, composição delicadamente gauche de Lara Robinson, devolve não a gravura que sua inocência poderia exprimir, mas uma folha preenchida com números, do cabeçalho ao rodapé. Esse é o gancho de que Snowden, Pearson e White valem-se para conduzir o enredo ao segundo ato pleno de enigmas, no qual a figura de John Koestler é onipresente. Proyas coloca na boca de âncora de telejornal, recurso preguiçoso (e também ubíquo), as notícias progressivamente escabrosas do preço do petróleo — sempre ele! — que supera uma nova marca e um incêndio devastador no Golfo do México, em 20 de abril de 2010, quando a página escrita por Lucinda reaparece, junto com Robinson, agora dando vida a Abby, uma menina como outra qualquer, solar, espevitada e curiosa, cuja amizade com o filho de Koestler, Caleb, de Chandler Canterbury, quiçá remeta às excentricidades de sua personagem original.
No terceiro ato constam as pérolas do discurso catastrofista de “Presságio”, quando Nicolas Cage investe-se da aura de salvador do que resta do homo sapiens sapiens, tentando ainda decifrar o enigma fundamental do filme, relacionado a 19 de outubro. Nesse dia, uma de suas poucas ilusões extingue-se de vez, com Diana, a mãe de Abby interpretada por Rose Byrne, apartada dele e da filha para sempre. Sobra-lhe Caleb, muito bem guardado.
Filme: Presságio
Direção: Alex Proyas
Ano: 2009
Gêneros: Ficção científica/Thriller
Nota: 8/10