Filme na Netflix mistura Tarantino e Guy Ritchie e vai te deixar sem fôlego Divulgação / Televisa

Filme na Netflix mistura Tarantino e Guy Ritchie e vai te deixar sem fôlego

Podem-se dizer muitas coisas a respeito do cinema mexicano, mas ninguém há de acusá-lo de monótono — e “Matando Cabos” é uma das provas mais robustas. O misto de humor macabro, cenas inauditamente violentas e o exército de atores num frenesi quase estupefaciente do filme de Alejandro Lozano não deve nada ao que Hollywood fez de melhor no gênero, especialmente no momento em que o roteiro envereda de uma vez por todas na crueza de sentimentos em que a trama passa a ancorar-se depois de algum tempo, como também se vê, com muito mais sofisticação retórica, em “Amores Brutos” (2000), de Alejandro González Iñárritu, por exemplo. Superado o ímpeto das comparações, encontra-se aqui um enredo que prima pela originalidade a todo custo, o que redunda em problemas de graus distintos em certos lances.

Oscar Cabos é um homem impiedoso, mas também tem senso de humor. O protagonista vivido por Pedro Armendáriz Jr. (1940-2011) aparece em cenas pensadas especialmente para ele, e quando aquele senhor acima de qualquer suspeita, aparentemente respeitável, surge em cena, pode-se ter em mente que algo de muito sinistro está por vir. No jantar de comida chinesa em que recebe outros empresários, todos riem de suas piadas tolas, até o chef; como a narrativa está sempre muitos níveis acima da realidade, pairando sobranceira com as asas da farsa, um deslize do cozinheiro acorda a real natureza de Cabos, que inflige-lhe um castigo desumano, e a humilhação é tamanha que o homem volta para a China. Espirrar na hora em que o patrão tenta bater seu recorde no golfe também é uma péssima ideia, e essas anedotas, ditas por dois sujeitos em estado nada cavalheiresco num tom entre aterrorizado e espirituoso, tomam corpo à medida em que um desses infelizes detalha suas experiências como um subordinado de Cabos. Bem, Javier, o Jaque, não é exatamente a pessoa mais adequada para se falar em subordinação, uma vez que achou de manter um namorico inconsequente justo com a filha do chefe.

O personagem de Tony Dalton relembra o episódio no intuito de despertar o público para o mérito da desforra contra o vilão; nessa quadra da narrativa, Lozano passa a investir cada vez mais pesado no absurdo de seu roteiro, coescrito por Dalton e Kristoff Raczynski, seu parceiro de cena, ao passo que empurra a trama para um furor crescente. Essa vocação para se estender na descrição de crimes bárbaros é corroborada com a subtrama encabeçada por Miguel Díaz, o amigo de infância do homem mais odiado do México; ex-lutador de wrestling, Díaz, de Joaquín Cosío, encarna à perfeição a imagem de brucutu perverso, mas leal aos amigos, a exemplo do que se vê no desfecho, em particular numa cena em que ele, Jaque e Mudo, interpretado por Raczynski, passam a frequentar bibocas muito parecidas as mostradas por Robert Rodríguez em “Um Drink no Inferno” (1996), insinuando o desgoverno para além do rio Grande, mas com muito menos fidedignidade.


Filme: Matando Cabos
Direção: Alejandro Lozano
Ano: 2004
Gêneros: Comédia/Ação/Aventura
Nota: 7/10

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.